segunda-feira, janeiro 15, 2007

ENTREVISTA #6

Como a música faz, sempre fez e sempre fará parte da vida de muitas pessoas, inclusive da minha, resolvi entrevistar Frederico Finelli, 30 anos, da Submarine Records, que trabalha diretamente com esse mundo maravilhoso, mesmo cheio de tantos obstáculos, nenhum deles impossível de se superar. Nascido em Belo Horizonte (MG), lá fundou a Submarine Records, selo independente que desde 1998 vem lançando artistas do Brasil e exterior. Faz parte do "cast" da Submarine os artistas Hurtmold, São Paulo Underground, The Eternals, M.Takara, além de ter lançado também registros do Againe e Diagonal. Atualmente mora em São Paulo.

* Por Paula Cabral Gomes *

Zine Qua Non: Como surgiu a Submarine Records? De onde veio a idéia e como foi colocá-la em prática?
Fred Finelli: A Submarine iniciou suas atividades em dezembro de 1998. A idéia surgiu da vontade de colocar na rua música independente que nos dizia algo. A prática veio com o lançamento de uma coletânea em cd "some songs, some places, some feelings" (1000 cópias), em maio de 1999.

ZQN: Qual a principal base da gravadora?
FF: A base da Submarine é trabalhar com artistas que façam música que seja relevante pra gente e de preferência (até hoje tem sido assim) que tenhamos uma afinidade, proximidade com o pessoal que lançamos. Temos também uma preocupação em buscar sempre lugares decentes para shows. Locais que respeitem quem está tocando e o público, que é quem vai, paga o ingresso e compra os discos.

ZQN: Como é o relacionamento com as bandas e os músicos?
FF: O relacionamento é bem ok, pois sempre estamos em constante comunicação com os artistas e músicos. A Submarine além de lançar os discos, trabalha em divulgação, suporte e agendamento de shows. Uma relação de cumplicidade entre artista e selo faz a coisa funcionar aqui.

ZQN: De que forma você veio parar no meio under da música brasileira e internacional?
FF: Em 1989 em meio aos discos de trash metal e a era Cogumelo Records (Belo Horizonte) conheci o punk, mas ainda era o punk "clássico" por assim dizer e, juntamente com um amigo (Bruno), começamos a ir atrás de informação, coisa de descoberta mesmo. Daí conhecemos o circuito de shows underground na cidade, as demo tapes, os fanzines, os selos independentes de fora, as centenas de bandas. E o lance era que nessa época quase tudo era feito por carta. Desde pedir um catálogo de lançamentos de um selo, trocar material, fazer amizade, etc. Depois conheci de perto um fanzineiro (Guilherme, do Esquistossonoise). Comecei a colaborar no zine dele, até que em meados dos anos 90 eu criei meu próprio (Needle, que teve 04 #s) e depois montei a Submarine Records.

ZQN: É mais difícil mostrar o trabalho das bandas brasileiras para o público daqui ou para o de outros países?
FF: Acho que o que difere são as realidades culturais, sócio-econômicas e de características próprias dentro do meio independente/underground de cada lugar. Um país que possui uma estrutura, cultura forte voltada para a produção independente recebe melhor o trabalho, o que não é o caso do Brasil.

ZQN: Você considera que o Hurtmold abrir shows dos Los Hermanos é um avanço para o seu trabalho ou é apenas outra maneira de divulgação?
FF: Eu acredito que seja um fruto do trabalho tanto do Hurtmold quanto da Submarine aliado ao fato do Los Hermanos gostar da música do Hurtmold e estar com um olhar voltado para bandas independentes.Para a Submarine é sempre bom ter a oportunidade de mostrar a música para um público que dificilmente iria a um show do Hurtmold no circuito independente. E além do mais, o que eu percebi quando trabalhei nestes shows de abertura é que o público do Los Hermanos é atento e sempre chegou cedo e assistiu os shows do Hurtmold e se interessou pelos seus discos e por informações pertinentes. Isso é muito positivo.

ZQN: Qual é a maior dificuldade enfrentada pela Submarine?
FF: Legal esta pergunta… Sabe o que acontece? Eu percebo e escuto por aí muita reclamação com relação a esta coisa de "dificuldade". Olha, eu tenho certeza absoluta de que as coisas são difíceis SIM, pois passei e passo por muitas, mas tem como você minimizar este sofrimento e não usar estas "dificuldades" como desculpa ou argumento para camuflar uma falta de empenho, descompromisso e um não posicionamento diante das situações que enfrentamos no independente. Então a maior dificuldade talvez seja se situar, saber onde está pisando, ver quem é quem e o que você quer.

ZQN: Maurício Takara, além de tocar no Hurtmold, leva os trabalhos M.Takara e São Paulo Underground, os três acompanhados pela Submarine Records. Como é ver de perto o desenvolvimento de um músico e, de certa forma, ajudá-lo nesse processo?
FF: É sempre bom ver as coisas caminhando. O Maurício além de amigo é um músico que tenho grande admiração. Sempre conversamos sobre os trabalhos, trocamos idéias e discutimos sobre o que se passa. A relação é boa por que não nos comunicamos somente quando tudo está um mar de rosas, e sendo assim as coisas sempre tendem a ficar claras e funcionais neste sentido. É muito gratificante estar de alguma forma junto no processo, mas acima de tudo o Maurício é um cara dedicado, que corre atrás. Ele optou por um caminho e está focado nele, que é fazer música.

ZQN: Como foi a vinda de Joe Lally para o Brasil? Muitos queriam ver o Fugazi em suas apresentações?
FF: Os shows que vi e acompanhei (os três de São Paulo) foram bem bons. Música forte. Achei ótimo o Maurício (Takara) e o Fernando (Cappi) terem tocado com o Joe nos shows, pois juntos deram uma outra roupagem, uma interpretação diferente para as músicas. Foi legal mesmo a vibe entre os três.E quanto aos que queriam ver o Fugazi é aquilo, basta estar informado e disposto em saber o que se passa. O Joe veio ao Brasil com o disco dele lançado. Não era uma surpresa.Então se alguém foi ao show e ficou "desapontado" (notei isso mais no primeiro show) porque esperava a sonoridade da sua banda anterior, "caiu do cavalo" por sua própria desinformação e desinteresse.

ZQN: Qual sua opinião sobre a música brasileira? Tanto a que está na grande mídia, quanto a que vive no chamado cenário underground?
FF: A música brasileira tem o seu poder, qualidade e está representada e sendo feita em tudo quanto é nicho. Como qualquer estilo e segmento, tem suas coisas boas e ruins. Mas aí é de cada um escolher o que te causa, o que te faz bem ou soma de algum modo para o seu dia a dia.

ZQN: Com o (re)lançamento da revista Rolling Stone no Brasil, o questionamento sobre publicações "significantes" brasileiras que falam sobre música (em geral) e outros assuntos com qualidade e conteúdo tornou-se maior. Qual sua opinião sobre as mídias que tratam da música e da cultura brasileiras?
FF: Com relação às mídias relacionadas a música, as que tem me interessado ou pelo menos feito um trabalho decente, no meu ponto de vista, estão no independente. Nâo é também uma quantidade enorme de veículos, mas os que fazem bem estão preocupados em buscar informações, escutar a música e escrever sobre ela. Ou seja, trabalhar, fazer o que se propõem.Na grande mídia a coisa anda bem caída, o que importa ali é estética, comércio, bizarrice, apelação, muita preza e a música ficando em último lugar.

ZQN: Qual tipo de som você curte?
FF: Música em geral. O tempo vai passando e você vai mais e mais conhecendo outras coisas (velhas e contemporâneas) absorvendo informação e o melhor de tudo, tendo novas sensações. Pra mim é vital isso.

ZQN: O que falta para a música brasileira ser valorizada pelo próprio brasileiro?
FF: A música brasileira está aí todo dia, na periferia, nos grandes centros, no interiorzão do país… as pessoas ouvem música brasileira.Acho que só falta os "formadores de opinião" valorizarem/enxergarem o que é produzido no país.

ZQN: O que podemos esperar das bandas que estão aparecendo?
FF: Eu não sou muito de ficar esperando estas coisas… mas se eu tivesse que esperar… esperaria que as bandas fizessem o que quisessem fazer e não o que gostariam que elas fizessem. Um som desprovido de tendências, filões e essas coisas.

ZQN: Você acha que o rock deixou de "fornecer bons filhos" como muitos pensam e dizem por aí? Que apenas encontraremos "mais do mesmo"? (não que eu acredite nisso!)
FF: Acho que sempre há coisa boa surgindo sim. Às vezes este assunto gira um pouco em torno de um saudosismo desnecessário e preconceito até.O que era bom no passado não perde seu espaço hoje e o que está vindo por aí pode ter e tem suas qualidades também. Por que não?

ZQN: Quais são as novidades e os planos de/para 2007?
FF: Em 2006 aconteceu muita coisa boa por aqui. Para 2007 o que posso adiantar são os novos discos do The Eternals e Hurtmold, além do lançamento do cd "mestro", do Hurtmold, na França. E no mais estamos trabalhando aqui para fechar mais atividades para 2007.Mas sempre prefiro abrir a boca quando as coisas estão certas.

ZQN: O que você deseja para a Submarine e para a música para 2007 e os anos seguintes?
FF: Para a Submarine desejo paz e saúde pra trabalharmos. Para a música… humm… sei lá, que venha soprada por bons ventos.

ZQN: Este espaço é seu. Deixe seu recado.
FF: Obrigado a você Paula pelo espaço e pelo interesse.É muito bom poder responder perguntas para um fanzine impresso.Agradeço também a todos que comparecem aos shows do Hurtmold, São Paulo Underground, The Eternals, M.Takara e que compram nossos discos. Feliz 2007!Para conhecer a Submarine Records e seus artistas:
www.submarinerecords.net


ZINE QUA NON #6


ENTREVISTA #5

Maurício Takara tem 24 anos é membro da banda paulistana Hurtmold e do projeto São Paulo Underground. Já tocou com um monte de gente diferente, às vezes como banda mesmo e às vezes apenas como músico contratado. Entre vários estão: Small Talk, Safari Hamburgers, Xis, Stela Campos, Cidadão Instigado, Otto. Através da música, viajou por várias cidades espalhadas pelo Brasil todo, pelos EUA, pelo Canadá, por vários países da Europa e pela Índia.

* por Paula Cabral Gomes *

Zine Qua Non: Qual a importância do underground para o cenário paulistano e brasileiro?
Maurício Takara: Considerando underground um cenário independente e mais alternativo aos grandes meios, acho que cada vez mais ele se solidifica e se torna como o meio mais viável para os artistas concretizarem seus trabalhos. Visto que cada vez mais os grandes meios de comunicação e de produção se ligam a padrões e ao mercado do que à produção artística.

ZQN: As mídias alternativas ajudam bastante as bandas novas e independentes a divulgarem seu trabalho?
MT: Ajudam sim. Principalmente com a internet, muita gente se liga mais em mídia alternativa do que na grande mídia.

ZQN: Você acredita que, com a internet, o underground deixou de ser underground?
MT: Não. Sempre terá gente fazendo uma arte mais obscura, que não é de fácil acesso ou compreensão.
ZQN: A grande mídia está dando mais espaço para as bandas independentes?
MT: Acredito que não é nem que está dando mais espaço, mas sim sendo obrigado a prestar mais atenção nas bandas independentes.
ZQN: Há quanto tempo você toca? Quantos instrumentos? E como surgiu o interesse pela música?
MT: Comecei a tocar violão e teclado a uns 15, 16 anos atrás. Meu pai começou me ensinando e depois fui estudar com outros professores. Depois de uns 2 anos comecei a tocar bateria. Em 99 comecei a estudar trompete também. Esses são os instrumentos que eu toco mais. Mas gosto de experimentar em quase todos que eu conheço.
ZQN: Assinaria um contrato com uma grande gravadora?
MT: Assinaria se fosse de acordo com todas as coisas em que eu acredito. Ou seja, praticamente impossível de existir numa gravadora grande.
ZQN: Quais os problemas que podem surgir ao ingressar numa grande gravadora?
MT: No meu ponto de vista, normalmente, os principais problemas são a falta de autonomia artística, grandes expectati-vas no sentido mercadológico e excesso de gastos.
ZQN: Como é sua relação com a Submarine Records e como "vocês se conheceram"?
MT: A gente se conheceu através de shows e outras bandas por volta de 97. Nossa relação é talvez até mais de amizade do que profissional. Mas temos uma relação bem saudável, trabalhamos juntos em todos os sentidos na maioria do tempo. Não é um esquema só "disco, números e acertos."
ZQN: Fale um pouco sobre o São Paulo Underground. Como surgiu a idéia de montar este projeto, quem faz parte, como foi o lançamento do Sauna: um, dois, três?
MT: A base do SP Underground sou eu e o Rob Mazurek. Ao vivo tocamos com formações diferentes, no momento com o Guilherme Granado no teclado e sampler e Richard Ribeiro na outra bateria. Esse projeto surgiu quando eu conheci o Rob em 2003, em Belo Horizonte. Ele assistiu a um show do Hurtmold e combinamos de fazer música juntos. O disco sauna: um, dois , três é nosso primeiro lançamento e foi um disco muito bom de fazer. Experimentamos muitas coisas novas nele, tivemos a participação de um monte de gente diferente e tem tido uma resposta boa.
ZQN: Como o Hurtmold se formou?
MT: O Hurtmold se formou em 98, basicamente, por amizade. A gente se conhecia há algum tempo de outras bandas e resolvemos tocar juntos pra ver se sairia algo. Daí pra cá lançamos duas fitas cassetes e quatro cd's. Tocamos por várias cidades do nordeste e sudeste e fizemos uma turnê na Europa no ano passado.
ZQN: Quais as diferenças do underground brasileiro para o de outros países?
MT: É diferente no sentido de realidade, estrutura mesmo. São meio que as mesmas diferenças que você pode notar entre os países em geral. Acho que a produção artística independente é um reflexo bem direto da realidade em que se vive.
ZQN: Quais as maiores dificuldades enfrentadas pelos músicos independentes?
MT: Acho que a maior dificuldade é saber se colocar no seu devido lugar e contexto. Não adianta querer fazer coisas que não fazem parte da sua realidade ou esperar demais das pessoas e da "cena". Faça o que você tem que fazer e o faça direito que já está ótimo.
ZQN: Quais as grandes diferenças entre o independente e o mainstream?
MT: Não sei dizer bem. Acho que é um pouco o que eu já falei antes. Num esquema maior, tem muita gente com muita expectativa em cima de você, mais dinheiro é investido e espera-se um retorno maior. Mas tem muita gente que trabalha de forma independente, mas com as mesmas manias e limitações do mainstream.
ZQN: Onde está a música brasileira de boa qualidade?
MT:Está em todo lugar. No rap, no samba, na música clássica, no boteco, nas galerias de arte, na rua, na casa de quem a faz... Tem muita coisa boa. É só encontrar.
ZQN: Esse espaço é seu. Deixe seu recado.
MT: Valeu o interesse. Mais informações nos sites www.mtakara.com e www.myspace.com/mtakara . Apareçam nos shows, escutem os discos. Não anule o voto. Beijos.

ZINE QUA NON #5


ENTREVISTA #4

João Alexandre Peschanski tem 26 anos, é formado em Jornalismo pela PUC-SP e em Ciências Sociais pela USP. Atualmente, faz mestrado em Ciência Política, também na USP. Foi trainee da Folha de S. Paulo em 2001-2002, mas agora é editor do jornal Brasil de Fato. Antes era repórter, um dos responsáveis pela cobertura internacional e, como tal, foi enviado especial aos Estados Unidos, no momento da 8a Reunião Ministerial da Alca em Miami, em 2003; à Palestina, para cobrir a ofensiva a Gaza, em 2004; ao Haiti, um ano após o seqüestro de Jean-Bertrand Aristide, em 2005; e à França, quando das manifestações contra o Contrato de Primeiro Emprego (CPE), em 2006. Também foi correspondente em Cuba, em 2004. Além da experiência no Brasil de Fato, colabora com outros meios alternativos - Caros Amigos, L´Humanité (França), Jiribilla (Cuba) - e editoras - Expressão Popular e Boitempo.
Por seu contato diário e intenso com a política, resolvi entrevistá-lo e saber um pouco mais sobre as Eleições 2006.
Aproveitem!
* por Paula Cabral Gomes *

Zine Qua Non: A cobertura feita por jornais menores ou jornais e revistas alternativos pode ser feita de forma melhor, ou seja, mostrando realmente o que acontece? Ou a probabilidade destes serem parciais prejudica a cobertura?
João Peschanski: Todos os jornais são parciais. A Folha de S. Paulo publicou há algumas semanas um texto de seu dono, Otávio Frias Filho, dizendo que uma eventual vitória do Lula no primeiro turno seria uma derrota da democracia, pois impediria o aprofundamento do debate no segundo turno. A posição está longe de ser neutra. As publicações alternativas têm um grande trunfo para a cobertura política: geralmente não estão atreladas a grandes interesses econômicos e políticos. Têm maior fluidez para descrever o que outras não apontariam por terem rabo preso. Ou seja, não estão do lado da hegemonia cultural. Ousam e criam, extrapolando as barreiras do politicamente correto e do politicamente construído. Repensar o político é um exercício de democracia.

ZQN: O efeito do horário político sobre os eleitores vem diminuindo com o passar dos anos?
JP: Os programas eleitorais, pasteurizados, são o reflexo do que ocorre com a competição eleitoral. Não há programa ou debate de fundo, mas espetáculo. O eleitor não é ignorante, como muitos analistas políticos acreditam. Pelo contrário, faz um cálculo fino sobre as opções que lhe são apresentadas. Votos no Vargas ou no Lula não são resultado da incompreensão política da população, são o cálculo do menor risco. Programas eleitorais só têm razão de ser se houver debate programático. Nenhum candidato - em todos os níveis - se propõe a isso.

ZQN: Você acredita que é melhor mostrar de uma vez qual é a posição política do jornal ou acredita que é possível ser imparcial?
JP: Não acredito na imparcialidade. Mas acredito no bom jornalismo, feito de modo honesto. Este não é nem coletânea de fatos e dados, nem panfleto. O bom jornalismo é aquele que consegue combinar apuração, reportagem e análise. Dito isso, há diversas formas de se fazer isso. No campo dos meios alternativos de comunicação, tenta-se recuperar os ensinamentos de Paulo Freire, pensando um jornalismo do oprimido, assim como ele criou uma pedagogia do oprimido. Cito alguns princípios: valorizar a cultura popular, procurar o diálogo... A idéia é que as pessoas que são ouvidas por comunicadores não sejam meramente depósitos de informação, de onde se extrai o que é necessário para a matéria, mas co-produtores do texto. Há experiências realizadas até mesmo com pessoas analfabetas, que narram suas experiências de opressão, como uma faxineira da Poli/USP que era analfabeta ou um ex-presidiário do Carandiru.

ZQN: Como você explica o fato de o governo Lula ter passado por inúmeras acusações nesses últimos quatro anos e ter tantos votos que permitem que ele ganhe no primeiro turno?
JP: Inicialmente, a estabilidade da economia, por mais nefasta que seja seu impacto a médio e longo prazo, é vista como um trunfo. As políticas compensatórias garantiram, talvez não pelo modo mais correto, garantiram uma base convicta no Lula. Os três principais elementos são outros: a habilidade política do presidente em desvencilhar-se dos escândalos que carcomeram seu partido, o acúmulo carismático que mantém e a falta de propostas alternativas, tanto no escopo da direita (o Picolé de Chuchu) quanto no da esquerda. O eleitorado, inteligente, sabe que, se é para manter tudo como está, melhor colocar aquele que já está e que, ainda por cima, faz algumas políticas de migalha. Dito isso, noto que o governo Lula é sensivelmente melhor do que o do FHC em várias áreas. O que não quer dizer que não tenha sido um mandato decepcionante e ambíguo.

ZQN: Eu sei que o voto é secreto, mas quais são seus candidatos?
JP: Não faço parte do eleitorado inteligente que já definiu seu voto. Admito que a conjuntura é difícil. Convicto, voto em Eduardo Suplicy (PT) para senador e Ivan Valente (PSOL) para deputado federal.

ZQN: Você acha que o Lula um dia conseguirá colocar em andamento uma lei que "proíbe" o monopólio da mídia como alguns países da Europa já possuem?
JP: Lula não tem condições políticas para fazer isso. O termo "condições" é a soma de dois elementos: vontade e correlação de forças positiva. Em seu programa, definido na Carta ao Povo Brasileiro, ele não aponta para a democratização dos meios de comunicação. Não está sendo eleito por essa bandeira. A experiência que temos do mandato que se encerra é oposta: criminalização e abandono dos meios alternativos, além de grandes favores publicitários e mercadológicos às grandes corporações mediáticas. A correlação de forças negativa é reflexo do ainda incipiente movimento em prol da democratização dos meios de comunicação. O debate não é feito em profundidade, apesar de algumas quixotescas iniciativas. Em outras áreas, além da comunicação, vemos a mesma coisa, seja na ecologia, feminismo, anti-racismo etc.

ZQN: Que tipo de candidato você acha que agradaria a população e faria com que o Lula não fosse reeleito?
JP: Difícil prever que o Lula não seria reeleito, pois ele está com a máquina estatal de seu lado. No entanto, no cenário brasileiro, faltam candidatos programáticos, faltam partidos programáticos. Vota-se na pessoa, não no projeto político. O voto no Lula, a meu ver, é político, porque reflete uma vontade do povo em manter um governante de sua escolha, mas é despolitizado, pois vota por total falta de alternativa.

ZQN: Heloísa Helena com toda sua garra exposta e um projeto de governo que promete fazer inúmeras mudanças no país teria chances de vencer caso o Lula não estivesse na disputa?
JP: Heloísa Helena, apesar de ser uma guerreira, não galvaniza o eleitorado. Tem carisma, mas não tem um projeto político consistente por trás. O que não quer dizer que nunca venha a ter. O PT nasceu como resultado de um movimento de massa extraordinário, fora do comum, que derrubou bloqueios culturais e políticos. Renovou o político. O PSOL nasce em outra conjuntura, preso a muitas individualidades, um partido de back-up.

ZQN: O que pode explicar a grande porcentagem da candidata PSOLista em sua primeira candidatura a presidência?
JP: Lula sempre teve uma parcela fixa de eleitorado de esquerda, aqueles constantes 25% a 30%. Parte desse eleitorado está claramente insatisfeito com os rumos do governo, vota nas melhores alternativas que encontra à esquerda: Heloísa Helena ou nulo.

ZQN: Caso Serra fosse o candidato tucano, Lula cairia nas pesquisas?
JP: Não se trata de personalidades. Trata-se de projeto. Apesar de ter mais carisma do que o Picolé de Chuchu, Serra não traz alternativa ao que Lula implementa. Pelo contrário, estão quase em consenso, excetuando alguns aspectos, como privatizações (carro-chefe da política do PSDB). Na miséria da política, o eleitorado vota no menos pior. A reeleição do Lula não será eufórica, será um voto resignado.

ZQN: A que se deve a grande aceitação do governo, mas não a do presidente?
JP: Lula traiu engajamentos históricos. Tinha como ser o presidente da mudança. Adotou o pragmatismo e fez política de resultado. O eleitorado reconhece alguns avanços, principalmente as políticas compensatórias.

ZQN: O que você espera das eleições de 2010?
JP: Que a esquerda, os movimentos populares comprometidos com a mudança do país, consigamos fortalecer um projeto político, que reúna e convença a população.

ZQN: Do governo Lula, o que pode ser visto como bom?
JP: A pergunta deveria ser: o que pode ser visto como menos pior do que seus antecessores? Talvez o tímido freio às negociações da Área de Livre Comércio das Américas, o não-isolamento de Hugo Chávez, alguns outros aspectos da política externa. Ressalto que esta foi desastrosa em outras frentes, como a ação do governo na Organização Mundial do Comércio (OMC), traindo parceiros do Terceiro Mundo, e a ocupação do Haiti. Na questão interna, as políticas compensatórias, mesmo que insuficientes.

ZQN: O que você acha dos programas de assistência social feitos pelo governo, como Bolsa Família, ProUni etc.?
JP: É preciso diferenciar o Bolsa Família e o ProUni. O primeiro pode ser defendido como uma política emergencial, até mesmo porque a população miserável é enorme. Sem projeto de nação por trás, o Bolsa Família acaba sendo uma perfumaria diante dos lucros dos bancos e enriquecimento dos mais ricos. Mas é defensável. O ProUni é a adoção de um projeto de direita: atestar a incapacidade de investir em educação pública de qualidade e delegar à iniciativa privada. Obviamente, precisamos mudar o acesso às universidades, mas com outra estratégia.

ZQN: Como o voto nulo pode ser útil caso queiramos mostrar insatisfação com relação aos candidatos aos cargos políticos?
JP: O voto nulo é legítimo. Caracteriza a revolta do eleitorado diante da irrelevância política, a despolitização, desse pleito.

ZQN: Como os jovens podem mudar a situação da sociedade brasileira?
JP: A indignação juvenil pode alimentar as lutas por transformação social e revitalizar os movimentos sociais, que estão em descenso. Falta criatividade na política, sobra criatividade na juventude.

ZQN: Mais mídias alternativas ajudariam a fortalecer a democracia?
JP: A democracia só se fortalece se o povo estiver ativamente participando da política. Se a mídia alternativa conseguir criar as pontes com a população, haverá um processo de transformação, inevitável. Exemplo disso é o que ocorreu no Equador, quando a população derrubou um governo autoritário, articulando-se por meio de uma rádio comunitária, a Radio Luna. Chegavam aos microfones da estação e diziam o que queriam, sem poupar palavrões. Isso foi crescendo, gerando manifestações, levando a uma vitória substancial. No Brasil, nas faculdades de comunicação, estamos presos à ditadura do lide. É preciso estimular a criação jornalística.

ZQN: Este espaço é todo seu. Deixe seu recado.
JP: Comunicação não é um molde a priori. O Manual de Redação do Estado de S. Paulo ou o tipo de jornalismo da Veja não são a verdade. São uma técnica para interpretar os fatos. Há um leque incomensurável de alternativas. O bom jornalista não é o burocrata da comunicação, mesmo que isso lhe garanta um bom salário por um tempo, mas aquele que ousa, que cria, que pensa. Saudações aos que não temem arriscar-se.

ZINE QUA NON #4


ENTREVISTA #3

José Salvador Faro é graduado em História pela USP, mestre em Comunicação pela Universidade Metodista de São Paulo (UMESP) e doutor em Jornalismo pela ECA/USP. Atualmente, é docente do programa de pós-graduação em Comunicação da UMESP e professor dos cursos de graduação em Jornalismo na PUC-SP (Pontifícia Universidade Católica de São Paulo) e também na Metodista. Além disso, é consultor do INEP, da CAPES e da FAPESP.Devido a sua formação e contato direto com as mudanças que o ensino brasileiro vem sofrendo, resolvi entrevistar o professor J. S. Faro para tirar algumas dúvidas sobre a temida e esperada reforma universitária.

* por Paula Cabral Gomes *

Zine Qua Non: O que levou à decadência crítica do ensino superior do Brasil?
J.S. Faro: Primeiro, penso que há uma causa estrutural: nossas elites abandonaram o projeto de uma Universidade voltada para o desenvolvimento científico e tecnológico do país. No quadro geral de perda de soberania do Estado brasileiro, uma das principais conseqüências foi o descaso pelo ensino e pela pesquisa produzidos pela Universidade pública. Segundo, há uma causa de natureza conjuntural: nosso processo de modernização econômica dependente e reflexa produziu uma universidade privada de resultados, voltada para o imediatismo do mercado, para o adestramento exigido pelo mercado. A convergência dessas duas causas produziu uma universidade alienada de seus compromissos com a sociedade brasileira, ainda que restem alguns centros de excelência onde é possível identificar vigor intelectual, mas isso se transformou num quisto, um pequeno enclave no quadro geral de mediocridade que impera no setor.

ZQN: Quais as piores conseqüências de um ensino mercantilizado?
JSF: As piores conseqüências podem ser resumidas na formação de gerações inteiras de universitários desprovidas de senso reflexivo e experimental. Nós estamos construindo um imenso vazio intelectual, ainda que "todos" possam se orgulhar de possuir algum "diploma" universitário. A titulação graduada no Brasil é instrumento de arrivismo social e não de desenvolvimento efetivo de competências.

ZQN: Qual a grande importância de vincular o ensino e a pesquisa? O que isso traz de bom para um país que deseja projetar seu futuro com consistência e seriedade?
JSF: As funções da Universidade são basicamente duas: reflexão e experimentação. O ensino e a pesquisa são indissociáveis dessas duas funções. Ora, sem isso não se olha o futuro, não há desafios em nenhuma das áreas do conhecimento. Um país com as características do Brasil precisaria zelar por esse capital que pode ser construído pela Universidade porque ela dá sustentabilidade ao desenvolvimento.

ZQN: Os jovens também têm culpa no processo de destruição do ensino superior de qualidade por buscarem apenas um diploma e não formar uma carreira com base no conhecimento?
JSF: Penso que não têm culpa alguma. Crescem e são educados com essa perspectiva arrivista do ensino superior. Não há padrão moderno na sociedade brasileira que não tenha esse substrato ideológico como forma de propaganda.

ZQN: O governo incentiva o ensino mercantil sendo que este não cobra impostos ou os reduz das universidades que dão bolsa para alguns alunos?
JSF: O governo não incentiva o ensino mercantil, pelo menos não este governo da forma como o anterior fazia. O problema é que o ensino privado transformou-se no Brasil num poderoso complexo econômico que atua com extraordinária desenvoltura no centro do poder. São lobbies que desarticulam o papel regulador do Estado e investem no poder de pressão parlamentar, midiático e cultural que acabaram formando nas últimas décadas. Quando o Estado pensa em ampliar as possibilidades de acesso dos jovens à universidade, a única (ou quase única) alternativa que tem é a renúncia fiscal como moeda de troca. O ProUni é exemplo disso: um programa que estimula mais ainda o setor privado e reduz ainda mais a responsabilidade do Estado com a educação superior. De qualquer forma, é preciso fazer uma ressalva importante. Não é todo o ensino privado que age dessa forma. Há instituições de caráter comunitário ou confessional que são comprometidas com uma universidade de qualidade, como é o caso da Metodista, mas eu temo que elas acabem perdendo essas características em função da concorrência predatória que se estabeleceu nessa área. A PUC-SP é um bom exemplo de uma instituição que tem sido obrigada a mudar seu projeto em função dessa contingência.

ZQN: Disciplinando o ensino superior privado, ou seja, verificar a qualidade do ensino, a pesquisa científica e as condições de trabalho de seus professores, a reforma universitária que atinge o país e, principalmente, a população jovem sentiria um impacto menor ou o estrago manteria suas proporções?
JSF: Certamente. Mas, como eu disse na questão anterior, esse poder regulador é limitado pelo poder do segmento do setor privado. Acompanhe o que vai acontecer com o projeto da reforma universitária no Congresso e você terá uma idéia do poder desarticulador e desorganizador dos interesses privados.

ZQN: Qual é a verdadeira reforma universitária que deverá ser feita?
JSF: O ponto de partida é resgatar o papel do Estado como ente normativo do ensino superior. Além disso, é preciso rediscutir o conceito de autonomia universitária, recuperá-lo como uma prática de natureza acadêmica e não administrativa e financeira, como querem as empresas de educação superior. O ante-projeto de reforma, inicialmente formulado pelo então ministro Tarso Genro, previa isso, mas bastou que ele fosse divulgado para que uma campanha de desmontagem do texto que seria enviado ao Congresso tivesse início de uma forma inédita no país inteiro. A versão atual já mostra concessões feitas pelo MEC que desfiguram a proposta inicial. A verdadeira reforma universitária, portanto, tem que procurar recuperar essas idéias originais.

ZQN: Como fazer com que as faculdades privadas e a população entendam que a Universidade, qualquer que seja seu perfil administrativo ou seu regime jurídico, é pública pela natureza de suas atividades e é o Estado que deve zelar para que isso seja obedecido rigorosamente?
JSF: Pergunta difícil. Talvez intensificando o rigor das avaliações e o rigor nas punições para aquelas empresas que não cumprem com seu compromisso social. É preciso expor à opinião pública a verdade sobre o ensino superior privado, separar, mesmo nesse segmento, o joio do trigo.

ZQN: Quais são os riscos do Programa Universidade Para Todos (ProUni)?
JSF: Os riscos são de natureza estrutural porque, como eu disse, o ProUni, reforça um determinado modelo de Universidade. Eu não tenho dúvidas dos benefícios que ele traz a curto prazo para os estudantes carentes, o que eu temo são os efeitos a longo prazo que um programa dessa natureza pode trazer para a instituição universitária.

ZQN: O que o senhor acha das cotas que algumas universidades estão adotando?
JSF: Ainda não tenho uma opinião plenamente formada sobre isso, mas até agora, de tudo quanto leio na imprensa sobre o assunto, a proposta mais inteligente me parece ser a da USP porque parece ser a que mais preserva a questão do mérito. Mas essa ainda é uma opinião muito incipiente. Você terá que me entrevistar outra vez até que eu forme algum tipo de convicção sobre o que vem sendo proposto.

ZQN: A estatização das instituições privadas seria uma boa solução?
JSF: Acho que não. Deve existir espaço para as instituições privadas de qualidade, da mesma forma como penso que não deve existir espaço para instituições públicas sem qualidade.

ZQN: Como anda a luta do Sindicato dos Professores de São Paulo com relação à reforma universitária?
JSF: O Sindicato estudou com muito cuidado todas as características do ante-projeto do governo e das sucessivas modificações que ele sofreu. A preocupação esteve naturalmente voltada para os mecanismos de controle que impeçam que a atividade profissional do professor continue sofrendo os efeitos dos interesses mercantis na educação: baixos salários, inexistência de condições de trabalho, número excessivo de alunos em sala de aula, a preponderância dos mecanismos de natureza administrativa sobre aqueles de perfil didático-pedagógico e científico. Como o sindicato representa os professores das instituições particulares, foi sob essa perspectiva que avaliamos a proposta do governo. Enviamos ao MEC um conjunto de sugestões que visavam aperfeiçoar o projeto e agora estamos acompanhando sua tramitação no Congresso. Pretendemos participar das audiências públicas que serão realizadas e também pressionar parlamentares não comprometidos com o lobby das empresas de educação para que não aprovem emendas que descaracterizem ainda mais a essência do projeto.

ZQN: Uma das faculdades que mais sente a decadência do ensino superior e a mercantilização do ensino é a PUC, que neste ano despediu centenas de professores e funcionários com a desculpa de que dívidas seriam quitadas com esta ação. Qual será o provável futuro desta instituição?
JSF: A PUC não está mercantilizando seu ensino, segundo entendo. Ela vive ainda sob o peso da herança que construiu, isto é, uma universidade com elevado nível de produção científica e com um projeto pedagógico de natureza reflexiva de forte densidade. Não é simples mudar isso de uma hora para outra, até porque há uma legitimação pública dessas características que é responsável pelo perfil de muitos estudantes que procuram nossos cursos. A dúvida é saber até quando essas características serão capazes de resistir à implantação de um modelo gerencial que vai na contra-mão desse projeto universitário. Como é possível manter essas tradições da PUC com um corpo docente instável e mal remunerado? Ou com baixos investimentos em estruturas laboratoriais, por exemplo? Meu receio é o de que essa concepção contábil da universidade católica acabe se sobrepondo aos valores acadêmicos, fato que já é percebido em algumas áreas. Dou o exemplo da reforma curricular do curso de jornalismo que tem sido obstaculizada por objeções de natureza financeira, quando é notório que a estrutura do curso não acompanha mais as demandas da profissão. Se isso ocorrer, temo que a PUC se torne uma instituição descaracterizada em relação às suas origens.

ZQN: Esse espaço é do senhor. Pode deixar o seu recado se quiser.
JSF: Vou repetir aqui o que disse numa assembléia realizada pelos alunos no início do ano, quando eram fortes os protestos contra a demissão de professores: a universidade não pode ser tomada por um sentimento de resignação, como se essas mudanças fossem inevitáveis e naturalizadas, isto é, elas são o único caminho. Se esse sentimento prevalecer o futuro desta universidade da própria universidade brasileira é o pior possível.

ZINE QUA NON #3


ENTREVISTA #2

Lucas Monteiro, conhecido como Legume, é membro do Movimento Passe Livre de São Paulo (MPL-SP).
Assim como muitos estudantes universitários que têm a noção da gravidade do problema do transporte público e outros que causam inúmeros prejuízos ao povo brasileiro, Legume arranjou sua forma de se expressar e lutar por alguma melhoria. Através da união dos que militam pela mesma causa, a esperança de obter o passe livre estudantil dificilmente morre.
Entenda um pouco a história e as metas de um grupo de pessoas de oito estados do Brasil que buscam um serviço justo e de qualidade para todoos.

*por Paula Cabral Gomes*

Zine Qua Non: Como e quando o Movimento Passe Livre (MPL) surgiu no país e em São Paulo?
Lucas Legume: O MPL surgiu formalmente no Fórum Social Mundial de 2005, onde aconteceu a plenária nacional na qual foram trocadas experiências entre cidades que lutavam pelo passe livre e foi elaborada uma carta de princípios. Muitos dos grupos presentes em Porto Alegre já estavam em contato e tinham se reunido no ano anterior no Primeiro Encontro Nacional do Passe Livre, em julho de 2004, em Florianópolis. Os princípios elaborados nesta plenária surgiram da experiência prática da revolta do Busu, em 2003, e da revolta da catraca, em 2004. São Paulo já tinha um Comitê de Luta pelo Passe Livre, que atuava, principalmente, na zona Noroeste. Este comitê participou da plenária nacional em Porto Alegre e aprovou os princípios na primeira reunião após o FSM.

ZQN: Com quais metas começou o movimento?
LL: O MPL tem como objetivo inicial a conquista do passe livre para estudantes. Esta não tem um fim em si mesma, mas se encaixa em uma luta por um transporte coletivo em benefício da população e fora da lógica de mercado pela qual é gerido. Esta concepção de lutar por um transporte realmente público surge da conjuntura em que se criou o movimento, dentro de manifestações pela redução de tarifas, lutando contra o aumento do lucro empresarial.
ZQN: Quantas cidades (e estados) fazem parte desse movimento?
LL: Atualmente temos 13 cidades que participam nacionalmente do MPL em 8 estados, além de diversas outras cidades que estão se organizando para integrar oficialmente e ativamente o MPL.

ZQN: Quais são os projetos principais para este ano?
LL: Aqui em São Paulo estamos em uma luta contra o novo plano de transportes que a prefeitura esta implementando. Este plano surgiu em resposta a reclamações de empresários e tenta adequar ainda mais o serviço de ônibus à busca do lucro, por meio da redução de custos através do que chamam de "otimização das linhas". Isto significa menos ônibus circulando e maior lotação. Nacionalmente estamos organizando o terceiro Encontro Nacional que pretende consolidar nacionalmente o movimento, trocando experiências, pensando em estratégias para implementação do passe livre.

ZQN: De qual forma vocês pretendem atingir as principais pessoas envolvidas com o transporte público, como os passageiros, os motoristas, os cobradores, os empresários?
LL: A forma de abordar cada um destes setores é muito diferente. Para os passageiros costumamos fazer ações de divulgação, como "pular catraca", panfletagens e, recentemente, uma fanfarra de rua na Lapa. Para cobradores e motoristas, costumamos preparar panfletos específicos, que explicam como funcionaria o passe livre (sem redução de salários). Os trabalhadores são aliados na medida em que achamos que eles devem participar da gestão do transporte público, mas o diálogo é muito difícil, especialmente em cidades com São Paulo nas quais o sindicato defende o interesse dos patrões. Os empresários... Bem, queremos atingi-los de uma forma bem direta, que eles deixem de existir.

ZQN: Onde o movimento já obteve resultados satisfatórios?
LL: O movimento participou das revoltas da Catraca de 2004 e 2005, que barraram dois aumentos de tarifa em Florianópolis, onde também foi aprovada a lei que instauraria o Passe Livre, porém, por articulações políticas, o Superior Tribunal de Justiça de Santa Catarina declarou a lei inconstitucional. Em Curitiba, o movimento conseguiu a aprovação do Passe Livre na pré-conferência da cidade e também conseguiu barrar projetos de lei que permitiriam um controle maior das meias passagens.

ZQN: Como foram as Revoltas da Catraca e a Revolta do Busu? Resultados satisfatórios foram alcançados?
LL: Esta pergunta poderia, sem dúvida alguma, ser uma tese de Doutorado. Eu vou tentar ser bem sucinto. A Revolta do Busu, em Salvador, em 2003, ocorreu devido ao segundo aumento tarifário em menos de um ano. A mobilização começou em diversos colégios, de forma aparentemente espontânea. Todos ficaram surpresos com o tamanho que as manifestações tomaram. Ocorre que não havia um movimento anterior constituído em Salvador, e os dirigentes de entidades estudantis se aproveitaram da situação para se auto-projetar. As negociações que eles fizeram com a prefeitura iam contra a principal reivindicação do movimento, que era a redução de tarifas, apesar de garantir algumas das "bandeiras históricas" do movimento estudantil. Esta experiência de aparelhamento serviu de base para o MPL se afirmar apartidário, horizontal, autônomo e independente. Já a Revolta da Catraca, em Florianópolis, em 2004, foi precidida de uma grande campanha pelo passe livre que começou em 2000 e portanto de uma discussão sobre o transporte. A existência de um movimento organizado e a experiência de Salvador impediu práticas aparelhistas de entidades e partidos. Desta vez, o aumento foi barrado. Em 2005, a dose foi repetida e novamente a população saiu a rua e impediu o aumento. Em conseqüência das duas revoltas, foi aberta uma CPI dos Transportes e começou a ser discutida a implementação de uma tarifa única e a estatização da Cotisa (empresa que administra os terminais).

ZQN: Utilizando-se de quais meios o movimento pretende conseguir o passe livre?
LL: Nosso principal meio é a mobilização. É só através dela que conseguiremos qualquer avanço na luta pelo passe livre. Temos claro que, em conjunto com isto, precisamos estudar e compreender como se estrutura o transporte coletivo, para então elaborar um projeto de passe livre a ser aprovado na Câmara dos Vereadores, já que, infelizmente, ainda vivemos em um sistema representativo. É importante lembrar que a luta não se resume à conquista do passe livre, amplia-se para uma concepção de transporte público em benefício da população, que seja fora da iniciativa privada. E isto, só através de muita luta, conseguiremos.

ZQN: Percebendo um grande interesse de políticos e de outros grupos em querer tomar essa causa, como vocês lidam com isso?
LL: Isto é um problema que ocorre com qualquer movimento que ganha maior projeção. O MPL nasceu já se opondo a tentativas de aparelhamento, afirmando outra lógica de ação política. O que tem acontecido atualmente é que as entidades resolveram assumir a bandeira do passe livre, porém estas não têm trabalho em escolas e se interessam mais em filiar pessoas (como pode ser observado no site da UJS) do que em conquistar o passe livre ou discutir o transporte público. A resposta do movimento a isto é a reafirmação de seus princípios e a continuidade do trabalho em escolas.

ZQN: Qual é a intensidade da ligação do MPL com o MST?
LL: Em alguns lugares, como no DF (Distrito Federal), foram organizados atos conjuntos contra o aumento de passagens e existe um contato constante. Temos tentado estreitar relações nacionalmente, tanto que nosso Terceiro Encontro Nacional será na escola Florestan Fernandes.

ZQN: A aceitação do movimento pela sociedade é grande? Ou apenas jovens entram em contato com vocês?
LL: De uma maneira geral, a sociedade considera a nossa luta justa. Todos acham o transporte ruim, caro, superlotado. Porém as pessoas que se dispõem a participar de manifestações, a fazer trabalho em escolas, são jovens. Boa parte das pessoas nos questiona de onde sairia o dinheiro, se a passagem aumentaria, então, explicamos que a destinação do dinheiro é uma opção política, que o transporte não pode ser encarado como uma mercadoria e, geralmente, a pessoa se convence.

ZQN: Por quais atividades financeiras vocês mantêm o movimento?
LL: Nós temos três campos de arrecadação de dinheiro: a venda de materiais (bottons, camisetas, livros, jornais), as festas (geralmente, cervejadas em universidades) e as doações (pessoais, centros acadêmicos, sindicatos).

ZQN: Como vocês pretendem chamar atenção da mídia para a causa?
LL: Em todas as manifestações que organizamos enviamos releases para a imprensa e entramos em contato com alguns jornalistas, além disto, nos preocupamos em produzir nossos próprios relatos em meios como o Centro de Mídia Independente (CMI).

ZQN: Como você conheceu o MPL?
LL: Eu conheci através do CMI. Era, e ainda sou, voluntário do coletivo São Paulo e comecei a acompanhar primeiro pelas notícias do site, depois comecei a freqüentar reuniões, participei da plenária em Porto Alegre e resolvi me dedicar mais ao movimento.

ZQN: Por que você resolveu fazer parte do movimento?
LL: Porque considero o transporte coletivo um fator fundamental na vida urbana. A forma de organização do MPL, horizontal, autônoma, com respeito à diversidade, é algo que me atrai muito. Afinal, acredito que, para construir uma nova sociedade, precisamos começar a construí-la e aplicar nossos princípios em nossas práticas e mobilizações cotidianas, acredito que o MPL consiga isto.

ZQN: Você acha que realmente conseguirão obter o passe livre em São Paulo? Por quê?
LL: Sem dúvida é um processo árduo, São Paulo é uma cidade de 15 milhões de habitantes, precisamos mobilizar muita gente para conseguir o passe livre. Até agora, temos conseguido ampliar o debate a cerca do assunto, fomentamos a discussão sobre transporte público na cidade, envolvemos mais escolas na luta, estamos caminhando na direção certa, mas não posso afirmar que certamente obteremos o passe livre.

ZQN: No momento, há pessoas aderindo ao MPL ou está saindo bastante gente?
LL: O MPL é um movimento em crescente expansão. No ano de 2005, em São Paulo, nós mais que dobramos o número de envolvidos. No Brasil, cada vez mais cidades começam a se manifestar, a realizar atos, a aderir ao MPL, já chegamos até o Acre.

ZQN: Como obter mais informações sobre o MPL?
LL: Existem dois sites bons para obter informações sobre o MPL: o site oficial do movimento (www.mpl.org.br), onde estão nossos princípios, as cidades integrantes, etc; e o site do CMI (www.midiaindependente.org), que conta com informações atualizadas sobre manifestações pelo passe livre no Brasil inteiro.

ZINE QUA NON #2


ENTREVISTA #1

· Estudante de filosofia na Universidade de São Paulo;
· Diretor de Políticas Educacionais da União Nacional dos Estudantes pelo campo CONTRAPONTO (campo nacional do movimento estudantil, oposição à direção majoritária na UNE);
· Militante da A.P.S. (Ação Popular Socialista), corrente política autônoma organizada nacionalmente.
Este é Antônio David, primeiro entrevistado do Zine Qua Non com muito prazer e carinho.
Correndo atrás de informações sobre o Movimento Estudantil, encontrei Antônio que se ofereceu para me ajudar e acabou sendo pego de surpresa por algumas perguntinhas para o número um do ZQN.
E aqui está o resultado!

*por Paula Cabral Gomes*

Zine Qua Non: Muitas pessoas se perguntam: "O Movimento Estudantil ainda existe?". Onde podemos ver sua atuação e quais são os resultados desta?
Antônio David: Sim. O movimento estudantil nunca deixou de existir. O que pode haver são refluxos. Acredito que as décadas de 80 e 90, exceto talvez no segundo mandato de FHC, foram anos de forte refluxo, o que se intensificou com a ascensão de Lula à presidência da república. No geral, o ME acompanhou o refluxo e a paralisia dos movimentos sociais, em parte perplexos com as políticas do novo Governo, em parte atrelados a ele. Mas mesmo nestes períodos a atuação do ME no âmbito local - ou seja, das lutas reivindicatórias nas universidades - nunca deixou de existir. Os resultados são pontuais - contratação de professores, ampliação de verbas para a assistência estudantil etc. A grande novidade é que, na década de 90, houve um boom de faculdades particulares, fora dos grandes centros urbanos, o que acabou abrindo um processo ainda em aberto de ampliação e diversificação do movimento. No fundo, a disputa travada hoje no interior do movimento gira em torno do modo como essa ampliação e diversificação vai se dar, e quem irá hegemonizá-la.
ZQN: A presença de estudantes em passeatas e em outras formas para manifestar suas vontades é reduzida, mas mesmo assim você vê algum aumento na busca por essas uniões?As expectativas de que haja uma maior procura por manifestações em defesa de seus interesses devido à situação política de hoje são grandes?
AD: A rotatividade do movimento é muito grande e intensa. O estudante passa em média 5 ou 6 anos na universidade. Os ativistas do movimento, idem. É difícil, para mim, dizer se tem havido aumento ou redução do interesse, digamos assim, pelo movimento. De qualquer forma, a impressão geral que tenho é de que a ascensão de Lula, mais do que paralisar o movimento, acabou concorrendo para uma maior acomodação social e conseqüente despolitização. A tendência, após o refluxo, é haver um certo ascenso no próximo período. Mas é difícil medir a intensidade e amplitude disso.
ZQN: Se o Movimento Estudantil fosse maior, você acha que os estudantes conseguiriam de forma mais "fácil" obter resultados a seu favor nos governos?
AD: Em sintonia com a resposta anterior, penso que entramos na década de 90 num período marcado pela ampliação e pela diversificação do movimento, processo esse que se iniciou e ainda não se concluiu, ou seja, a rede do movimento ainda não se consolidou e está longe de se consolidar. Mas acredito que esse processo de ampliação/ diversificação é um fato político dado, ou seja, vai acontecer. Dito isso, penso que a ampliação do movimento é sim uma das condições objetivas para que o movimento atinja seus objetivos, mas não é a única. Ela precisa vir acompanhada de um padrão de militância. É perfeitamente possível que o movimento se amplie e, ao ampliar-se, ganhe feições políticas pouco ou nada combativas em nome de uma concepção de movimento orientada pela negociação pacífica com o capital, ou pela minimização de perdas. Tudo depende, portanto, do modo como se dará essa ampliação. Portanto, respondendo à pergunta, depende.
ZQN: Você acha que há um falso Movimento Estudantil, por exemplo, nas faculdades pagas, pois talvez os alunos destas não sintam a verdadeira dificuldade que é conseguir concluir o ensino superior no Brasil?
AD: Não diria "falso", porque se existe o "falso" deve necessariamente existir o "verdadeiro". Acho que fazer o debate nestes termos é maniqueismo. Eu diria, sim, que há uma tendência de que, nestes locais, se forje um padrão de militância local diferente da militância "tradicional" das grandes universidades públicas que ficam nos centros urbanos. Pelas dificuldades objetivas impostas a quem estuda nestes locais, pela cultura política padrão da sociedade brasileira, enfim, por uma série de motivos, a tendência é que, a partir das experiências políticas destes locais, o movimento se diversifique - ou seja, que a representação social do que é movimento estudantil para essa base social envolva, para além das manifestações e das lutas, também iniciativas culturais, esportivas etc. - e que absorva a idéia de que a luta visa não à ampliação de direitos, podendo inclusive ter um horizonte mais global, uma matiz socialista etc., mas sim a minimização de perdas a partir da negociação pacífica. Mas isso não está dado. Há uma disputa aí. Essa tendência pode se reverter.
ZQN: Quando você começou a se interessar pelo Movimento Estudantil?
AD: A partir de duas vias. A primeira, intelectual. Por influência da leitura de Florestan Fernandes, eu me interessei pela universidade, comecei a estudar a história da USP, da Faculdade de Filosofia, dos trabalhos, das pesquisas, dos grupos políticos etc. A segunda, prática. Em 2002, estourou uma greve estudantil por contratação de professores. As coisas se juntaram. Eu estava trabalhando sobre um estudo a respeito da Faculdade, da demanda por professores etc., e acabei, por conta disso, sendo o "negociador" do movimento com a Reitoria. Nessa época, eu já tinha um envolvimento com o Centro Acadêmico, com o grupo que disputava a UNE - e que veio a formar o que é hoje o Contraponto, do qual eu faço parte. Daí em diante, comecei a me envolver mais organicamente com o CA e com o DCE. Daí...
ZQN: O que é o grupo Contraponto? Quais são suas metas?
AD: O Contraponto é um campo do movimento estudantil, ou seja, é uma corrente política autônoma, voltada para o movimento estudantil universitário, organizada nacionalmente, formada no final de 2002 por estudantes de faculdades e universidades públicas e particulares, de vários Estados, que se organizaram para potencializar a sua intervenção no movimento, não só no movimento geral (UNE), mas também no âmbito local. Existem núcleos do campo nas faculdades e universidades em que atuamos - inclusive estamos formando agora o núcleo da PUC-SP. Quanto às metas do campo, eu sugeriria a você dar uma olhada no site (www.contraponto.cjb.net), em particular na tese que apresentamos ao 49º CONUNE. Tentando resumir, em linhas muito gerais: nós nos juntamos para potencializar a disputa que fazemos em prol da organização das mobilizações e das lutas estudantis e populares por mudanças na educação, na economia e na sociedade, pela ampliação de direitos e pela radicalização da democracia, matizadas pela crença no socialismo em bases democráticas.
ZQN: Onde podemos obter mais informações sobre o Contraponto?
AD: Estamos agora num processo mais intenso de debates internos sobre organização, mas os resultados vão aparecer ao longo do ano. O site está desatualizado. Para discutir com o campo, o ideal é participar das reuniões, ou no mínimo conversar conosco, pessoalmente.
ZQN: Onde a UNE atua diretamente?
AD: Em tese, nas faculdades e universidades, ou seja, na educação superior. Essa é a base social da UNE. Na prática, a UNE pouco organiza em termos de mobilização - organiza, mas pouco! O fato é que a estrutura da UNE é muito pequena, muito aquém do tamanho do movimento. São apenas 81 diretores. Como é que a UNE vai organizar uma jornada de lutas nacional assim? O ideal é que os CA's e DCE's erguessem a bandeira da UNE. Esse é o nó. A burocratização - que já foi maior - e o distanciamento histórico acabaram gerando, mais do que resistência, rejeição à entidade em centros importantes do movimento, onde há mobilização e luta mais intensa.
ZQN: Como se tornou diretor da UNE? Quais foram seus passos?
AD: Como eu já disse, eu participo do campo Contraponto. Participo do grupo desde 2003. O grupo é composto por ativistas que reconhecem e reivindicam a entidade, na condição hoje de oposição à direção majoritária. Nós nos organizamos para o 49º Congresso. Apresentamos tese, participamos de uma chapa etc. Dentre os 81 diretores, nossa chapa teve 11, das quais o Contraponto, 2. Eu e Jamile (BA) fomos indicados pelo campo, numa das Plenárias do campo que houve no próprio Congresso. Estou na diretoria cumprindo uma tarefa do campo. O mandato que eu exerço não é meu. É do grupo.
ZQN: Após a fase brasileira de luta intensa pela liberdade de expressão, você sente que esta luta permanece viva ou que hoje já não há grandes dificuldades para fazer sua opinião tornar-se pública?
AD: Tenho a impressão de que há uma situação paradoxal aqui. A luta pela liberdade de expressão permanece viva porque a sociedade brasileira é uma sociedade profundamente autoritária, machista, elitista, e os de baixo sentem a necessidade de lutas diariamente pelo direito de expressar, das formas mais variadas, sua indignação, sua rebeldia. Vejo no movimento hip hop, por exemplo, uma forma de resistência que perpassa na luta pelo direito de expressão. Ao mesmo tempo, depois da experiência terrível de uma ditadura que proibiu a existência de Partidos e que perseguiu os ativistas do PCB, do PC do B, de organizações pequenas, vejo, pelo menos no meio universitário, uma rejeição enorme aos Partidos e a organizações em geral. O direito de se organizar politicamente foi uma conquista após longos anos em que esse direito era cerceado. Hoje, a cultura política hegemônica - inclusive no interior do movimento estudantil - é de que os Partidos deveriam sumir, sair do movimento, serem chutados para fora do movimento.
ZQN: Você se espelha em alguns grandes nomes que surgiram na ditadura, nas guerras pela independência ou em outras épocas?
AD: Sim. Em muitas(os) companheiras(os). Em particular, Florestan Fernandes.
ZQN: Os alunos da USP, UNESP, UNICAMP ou de outras universidades públicas possuem uma conscientização maior ou estudar ou não numa universidade pública não influencia em nada?
AD: Eu tive a oportunidade de estudar dois anos numa faculdade particular, a ESPM. Pela experiência que eu tive, acho que o fato de estudar numa universidade pública influencia no grau de envolvimento com questões públicas e, conseqüentemente, no grau de politização do estudante. Mas isso é relativo. Numa universidade pública, existem desníveis. Uma coisa é a realidade da Faculdade de Medicina, da Faculdade de Direito, da Faculdade de Economia e Administração, da Politécnica; outra coisa é a Faculdade de Educação, a Faculdade de Filosofia. É difícil saber exatamente porque, mas o fato é que em alguns locais o grau de "conscientização" - que eu prefiro chamar de envolvimento com as questões de interesse público - é maior.
ZQN: Por que você acha que muitos jovens dizem odiar política?
AD: Sartre estudou a conduta histórica, ou seja, a percepção política, o comportamento político e a ação política à luz do contexto histórico do indivíduo. Ele dizia que a personalidade é forjada por uma tensão entre, de um lado, as determinações históricas da sociedade e da cultura e, de outro, a subjetividade individual. Creito que, ao responder a essa pergunta - ou seja, "muitos jovens dizem odiar a política porque..." -, o "porque" não pode ser reduzido nem a um nem a outro, ou seja, não posso dizer "porque eles são alienados" (pois eu estaria sendo moralista), mas também não posso dizer "porque a sociedade é assim" (pois, nesse caso, eu estaria jogando a subjetividade fora). Eu sigo a linha do Sarte. Eu diria que, diante de determinações históricas tão fortemente enraizadas, cuja hegemonia atingiu um patamar tão enraizado, tão forte, com os bombardeios de bobagens que a juventude leva todos os dias pela Televisão, com a visão de mundo que se reproduz na família, enfim, diante disso tudo, para que o jovem se interesse pela política no geral (nem sempre, mas no geral!) é preciso que a subjetividade dele entre em choque com o grosso das influências que ele recebe. Ou seja, acaba prevalecendo o desinteresse e o ceticismo porque a subjetividade da maioria dos jovens acaba se adaptando às influências sociais que eles recebem.
ZQN: O governo dá alguma abertura para os estudantes que se interessam por política? Como por exemplo: debates, palestras, etc. ?
AD: Não tem dado. Nem a sociedade/juventude tem procurado o Governo e pressionado por essa abertura. Mas eu acredito que um Governo não só possa como deva dar, e que a sociedade e a juventude devem pressionar. Vejo na Venezuela um exemplo disso.
ZQN: Você acha que se filiar a algum partido político para conseguir melhores resultados é necessário?
AD: Eu não diria "melhores resultados". Eu diria, para potencializar a intervenção política. Respondendo à pergunta, acho que pode ser necessário, mas que pode não ser. Depende da frente em que se atua. Para o sem terra, pode não ser necessário, já que ele tem o MST. Mas, veja bem, para acumular forças no interior do Estado, é preciso de um Partido Político. Trata-se de uma condição objetiva. Daí, a questão é saber se a disputa no interior do Estado acumula ou não. Eu acredito que sim, desde que acompanhada dos movimentos sociais e populares - não para aparelhar o movimento, mas para apoiar o movimento - e submetida ao Partido.
ZQN: Qual a melhor solução que você vê para a crise brasileira no momento?
AD: Encaminho para ti a minuta de proposta de resolução de conjuntura que estamos debatendo internamente e que apresentaremos na próxima reunião da UNE.
ZQN: Em quem votar em 2006?
AD: Presidente: Heloísa Helena; Governador: Plínio de Arruda Sampaio; Deputado Federal: Ivan Valente.
ZQN: O que aconteceu com a esquerda?
AD: O setor que hegemonizava as organizações de esquerda acreditou que seria preciso completar a revolução burguesa no Brasil através da negociação pacífica entre capital e trabalho. Esse erro levou a esquerda a esvaziar o potencial e a força mobilizadora dos de baixo, além de impregnar-se de uma cultura política profundamente pragmática e eleitoreira. A corrupção é um sintoma disso. Com a ascensão de Lula, a esquerda se fragmantou e se fragilizou. A tarefa agora é recompor a esquerda no Brasil.
ZQN: Quer deixar algum recado? O espaço é todo seu!
AD: "No decorrer das lutas, diante das dificuldades, as lutadoras e os lutadores devem tomar para si três lemas: não se deixar liquidar; não se deixar cooptar; e garantir vitórias para o povo." (Florestan Fernandes)

ZINE QUA NON #1


Zine Qua Non, muito prazer!!!



Esse blog foi criado para que os assíduos leitores do Zine Qua Non não se sintam perdidos e sempre saibam quando a próxima edição sairá, assim acalmando seus ânimos.

Hehehe...

Na verdade, esse espaço é para que todos possam comentar e sentir o gostinho do fanzine, pois sempre colocarei alguma coisa incrível que foi impressa em uma das edições e a capa do bimestre/trimestre. Além disso, materiais extras, quando não entrarem no impresso, entram aqui, no virtual.


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Beijos para todos


A editora (Paula Cabral Gomes)