terça-feira, março 27, 2007

ENTREVISTA #7

31 anos, esposa, uma filhinha, cadernos escolares desenhados, litografia e muita determinação formam Andrei Muller. Através de sua arte, com intensidade e verdade, representa mistérios da vida e da morte e, muitas vezes, emociona. Experimentando várias técnicas, Andrei prepara seus novos trabalhos, que incluem vídeo e website. Já expôs na Galeria Choque Cultural e na Fortes Vilaça, em São Paulo, e sua criatividade promete muitas outras exposições em breve. Por todas essas características, o ZQN especial traz uma entrevista um tanto quanto descontraída e para comemorar um ano de atividades.

* por Paula Cabral Gomes *

Zine Qua Non: Quando você começou a desenhar?
Andrei Muller: A memória mais remota que eu tenho é no jardim da infância. Todas as crianças fazendo altas cagadas com cola colorida e eu empenhado em desenhar o Super-Homem. Me lembro bem que era aquele esquema de fazer qualquer coisa com a cola colorida numa metade da folha pra depois dobrá-la e passar a cola pro outro lado, formando aquelas figuras abstratas e simétricas, que usam em testes de psicologia, saca? Tudo bem colorido e psicodélico. E nessa eu tava lá empenhado em desenhar o Super-Homem com todos os detalhes. Quando terminei o desenho peguei e fiz o mesmo que as outras crianças, dobrando a folha e estragando o desenho todo. Lembro da tia falando do outro lado da sala: "ANDREEEIIIIIii NÃÃÃOOOoooo...", mas aí já era tarde demais. O Super-Homem ficou todo deformado. Eu desenhava o tempo todo na escola.

ZQN: Na escola, como era a relação com os professores, já que você desenhava mais do que prestava atenção nas aulas?
AM: Normal. Alguns me chamavam atenção, alguns até achavam legal, me elogiavam e tudo. O lance do desenho não era o problema, porque, enquanto eu desenhava, eu não tava fazendo zona.Fui suspenso incontáveis vezes, e não fui expulso por muito pouco. Mas nada disso tinha a ver com o fato de ficar desenhando. Nunca repeti de ano nem fiquei em recuperação. Só estudava o suficiente pra passar de ano e sempre passava raspando.

ZQN: Quando a "coisa" ficou séria mesmo e você resolveu mostrar seu trabalho?
AM: Quando entrei pra escola de Belas Artes da UFRJ e descobri o atelier de litografia. Antes tudo que eu fazia era desenho de caderno escolar. Mas por mais detalhados e fantásticos que poderiam ser, eles continuavam sendo "desenhos de caderno"...
Entrei pra EBA e passei a frequentar esse atelier de litografia. Nessa comecei a ter a pretensão de fazer "obras de arte"... sei lá.

ZQN: Você fez durante sete anos litografia na EBA, UFRJ, e, como você me disse isso acabou virando uma doença e um sofrimento. Por quê?
AM: Então, na faculdade eu podia pintar, esculpir, fazer xilogravura, gravura em metal, etc etc... Mas a única coisa que eu queria fazer e fiz foi litografia. Eu ficava o dia inteiro infurnado no atelier, cheguei a dormir lá (no atelier da faculdade) várias vezes, etc. Era uma doença mesmo. um vício. Fazer gravura e em especial lito é uma coisa bem física. O processo é bem desgastante. As pedras que eu usava (matrizes litográficas) eram enormes e muito pesadas. Era carregar pedra pelo atelier todo, esmerilhar, acidular, imprimir, imprimir, imprimir... Eu realmente me sentia em tempos medievais trabalhando em algum calabouço de tortura ou coisa parecida. Pra quem não conhece o processo não da pra ter uma noção muito boa. Mas resumindo: é bem desgastante e medieval. Principalmente se você faz trabalhos de proporções grandes e com mais de uma matriz. Eu só usava as maiores pedras do atelier, que devem medir mais ou menos 100cm x 80cm, e devem pesar uns 100 quilos. E em cada trabalho sempre utilizava de 4 a 6 matrizes. Mas isso tudo acabou. Sabe aquela coisa de treinamento em filme de artes marciais onde o cara treina sete anos com pesos amarrados nas mãos e nos pés? Agora eu faço pintura dançando. Sem esses pesos.

ZQN: Onde suas obras já foram expostas?
AM: No Rio: no Museu do Ingá, na Casa da Matriz, no Circo Voador e em alguns salões de arte da EBA. Em São Paulo: na Galeria Choque Cultural e na coletiva da troca de galerias da Fortes Vilaça X Choque Cultural, na Fortes Vilaça.

ZQN: Quando seu trabalho ficou mais conhecido?
AM: Depois que vim pra São Paulo em 2005 e expus na Choque Cultural. A repercussão foi excelente.

ZQN: Como é a aceitação do público?
AM: Quando tava rolando a minha individual na Choque no ano passado, eu presencie um casal entrando na expo e saindo logo em seguida como se tivessem visto a febre amarela. A mulher falando que não aguentava ficar ali naquele ambiente... "muito tenso". Não gostaram nem um pouco... Mas tipo, o Igor Cavalera se amarrou.

ZQN: Quais foram/são suas inspirações?
AM: Tudo. Coisas intensas e verdadeiras. Que tenham substância. Que sejam capazes de me emocionar. E todos os mistérios da vida e da morte.

ZQN: Quando veio para São Paulo? Por quê? Como está sendo essa experiência?
AM: Vim pra São Paulo em abril de 2005 atrás do amor da minha vida, que hoje é minha mulher. A experiência está sendo intensa e o resultado disso tudo é nossa linda filhinha de 10 meses.

ZQN: Como é sua relação com a Galeria Choque Cultural? Quando começou essa relação?
AM: A relação é muito boa e começou no dia que eu cheguei lá na galeria com as litos de baixo do braço e os caras gostaram. Também gostei deles.O pessoal lá da Choque é de verdade.

ZQN: O que acha do trabalho da Choque?
AM: Acho excelente e bastante relevante por abranger estilos diversos dentro de um contexto mais underground/alternativo. Não existe muito disso por aí. A Choque é especial.

ZQN: De quais artistas gosta?
AM: Werner Herzog, Harmony Korine, Justin Broadrick(Jesu/Godflesh), Leonard Cohen, Lourenço Mutarelli, Gustavo Speridião, Flávio Vasconcellos, José Bonfim, Roger Vianna, David Lynch, Slayer, Public Enemy, Frank Miller, Dave Mckean, Joel Peter Witkin, Jimi Hendrix...

ZQN: Qual a diferença entre expor na Choque Cultural e na Fortes Vilaça?
AM: Na Choque, eu montei a exposição toda sozinho. Na Fortes, tinham dois caras com luvas brancas que penduraram as telas.

ZQN: Depois de trabalhar tanto tempo com litografia, como está sua relação com a pintura? (Hehehe...)
AM: Estive casado com a litografia por sete anos e a deixei pela pintura. Nunca mais quero fazer lito. (a não ser que carreguem as pedras e imprimam tudo pra mim). Lito dói e acredito já ter sofrido o bastante, o suficiente com ela.
É engraçado por que sinto como se já pintasse a muito tempo, e tipo, comecei a pintar não faz dois anos... É aquela história do "treino" de sete anos na lito aplicado e potencializado na pintura.("Eu pinto dançando", haha...)

ZQN: Qual a ligação de seu trabalho com a música? Quais sons você diria que tocam quando está produzindo e quando analisa as obras?
AM: Jesu e Godflesh são os sons que mais escuto. Tem influência direta no meu trabalho.

ZQN: Quais outros trabalhos você está desenvolvendo?AM: Comecei uma série nova de pinturas e estou levando bastante a sério meu trabalho com vídeo, que tem evoluído bastante. Acabei a pouco tempo também a arte pro cd da banda Maldita. O projeto gráfico do cd é todo em cima das minhas pinturas.
Vai tá rolando um website com meus trabalhos também em breve.

ZQN: De onde veio a idéia de misturar instrumentos médicos, ursinhos de pelúcia, bebês e parafusos na mesma obra?
AM: Não sei muito bem. São imagens com simbolismo forte e surgiram no meu trabalho de maneira espontânea. E tem também os dentes, o martelo, a cadeira, os pregos, a cruz... Símbolos que, de alguma maneira, acredito traduzirem minhas lutas e questionamentos internos sobre a vida e a morte.

ZQN: Como você consegue colocar tanta intensidade em suas obras?
AM: "Sou um cara sensível". Sei lá... Eu tento sempre ser o mais sincero comigo mesmo e nunca usar nada de forma gratuita nas minhas obras. Desenvolvi um senso de auto-crítica muito apurado e sou muito rígido em relação ao que produzo. Acho que a minha busca é traduzir de alguma maneira os temporais que estão dentro de mim. Eu me esforço.

ZQN: Quais os planos para esse ano?
AM: Produzir mais do que o ano passado, colocar o trampo pra frente e correr atrás desses dólares.

ZQN: Qual o espaço dado à arte no Brasil? Acha ser suficiente?
AM: O espaço dado a arte é muito grande no Brasil. Deve ser suficiente sim. Faltam é mais hospitais públicos decentes, escolas... Essas coisas mais básicas, né!

ZQN: Este espaço é seu. Deixe seu recado.
AM: Ana Elisa, eu te amo!