quarta-feira, dezembro 12, 2007

Demora e transtorno

O Zine Qua Non não acabou, entrou num período de reformulação de formato e conteúdo.
Por isso, peço que os leitores do blog e do zine impresso mandem sugestões e dicas para que o ZQN melhore sua qualidade.

Agradeço a atenção de todos.

Até fevereiro e comemoração de 2 anos de ZQN!

segunda-feira, julho 23, 2007

ENTRE-VISTAS #8

O entrevistado dessa edição é o mais empolgado e tagarela que eu já vi. Marcelo Jaguara, o “trafegante de informação” da revista O DILÚVIO, conta a história da publicação, de sua vida e os planos das duas coisas, ou seja, o ZQN cedeu um espaço gigante para esse rapaz aí. Você entenderá o motivo na primeira pergunta. Então, mãos à obra...

* por Paula Cabral Gomes *


ZQN: Como surgiu O Dilúvio? Quem deu a idéia? Conte um pouco a história da "revista que não chove no molhado".
Marcelo Jaguara: O DILÚVIO tem uma história bastante longa, na verdade, cheia de metamorfoses. Seu idealizador é o Tiago Jucá, jornalista formado pela FABICO, Faculdade de Comunicação da UFRGS de Porto Alegre, que trocou sua formatura pela primeira edição impressa do veículo, no início de 2003. Mas a idéia toda surgiu bem antes, ainda nos tempos dele como estudante. Na real, ele começou tirando sarro de um informativo interno, "oficial" da UFRGS, chamado No elevador, que Jucá subverteu para Noé leva a dor e começou a distribuir via news-letter (mailing list) para colegas e conhecidos. O conteúdo era sarcástico, cômico e ácido ao mesmo tempo.
Com o interesse da galera e aumento constante dos leitores, além da adoção (ou melhor, aceitação) do apelido Noé por ele, a coisa evoluiu rapidamente para um sitezinho, intitulado "A arca de Noé". Depois de um tempo, sumiu, depois voltou de novo, até que se transformou n’O DILÚVIO, e acabou indo pro papel (branco mesmo na primeira edição, com apenas 16 páginas) no IIIº Fórum Social Mundial, em janeiro de 2003.
Daí até o #4 foram muitos trancos e barrancos, num trampo meio solitário do Jucá, com algumas colaborações esporádicas e muitas experimentações gráficas e de estilo. A partir do 5º número começou a história do encarte de CDs, tendo a Bataclã FC (banda portoalegrense) como pioneira nessa parceria. Daí em diante a equipe foi se formando, mutando, crescendo, até chegar no time mais ou menos fixo que hoje rema a barca. Mas a segunda fase, a profissional mesmo, com maior tiragem, ampliação do número de páginas, mudança de formato e tamanho, adoção da licença Creative Commons e da distribuição gratuita começou a partir da edição #8. Ela é o verdadeiro divisor de águas, o start da arca do presente e do futuro, que sabe pra onde quer navegar e quem quer a bordo. Mas é um processo de evolução constante, e tudo pode mudar a qualquer momento, tal qual o clima na Terra...

ZQN: Como você passou a fazer parte desse projeto?

MJ: Conheci o Jucá-Noé pelos idos do verão de 2003, num ERECOM/Sul (Encontro Regional de Comunicação da Região Sul, com participação de estudantes dos 3 estados aqui "de baixo"). Ele estava recém-formado mas ainda agia como se fosse estudante (hehehe), pois não queria se desvencilhar da galera.Ficamos em quartos vizinhos e logo nos identificamos e ficamos parceiros. Naquela época eu era bem mais fissurado em zine do que hoje, acho que estava no auge da descoberta e integração com o mundo fanzineiro e empolgado com as oficinas que eu estava dando, a exemplo da que fiz naquele próprio ERECOM. E o Jucá estava empolgado com um curta que acabara de realizar junto com uma galera de Poa. Me falou mais do filme, na real, e bem menos da idéia da revista. Mas comentou que mandava uma news-letter pra galera e acabou adicionando meu e-mail na lista. Então comecei a receber os informes "viajandões" e logo me interessei. Mas por um tempo perdemos contato e nem lembro quando nos encontramos de novo depois daquilo, mas o fato é que quando o vi já estava com a edição 2 em mãos, e se preparando para a #3.
Eu trampava na Assembléia Legislativa em Porto e me coloquei à disposição para o que ele precisasse, pois contava com algumas facilidades lá (como xerox e telefone liberado). Ele começou a dar umas bandas lá de vez em quando, e fomos nos tornando muito parceiros. Ele tava com dificuldades em encontrar colaboradores, e eu louco para publicar algo em meu nome, pois estava de saco cheio de ser assessor de imprensa. Então, como eu havia feito uma entrevista muito legal com um flanelinha por causa de uma cadeira da faculdade, perguntei pra ele se não teria como publicá-la na edição. Ele leu, achou massa e que tinha a ver, e resolveu publicá-la. E também aproveitou um texto do outro jornalista que trampava comigo, o Charles School. Como deu boa repercussão a matéria e nossa parceria começou a fluir, me aproximei mais e me ofereci para ajudar em coisas que ele tinha dificuldades, como captar anúncios.
Nessa época, resolvi chutar tudo pra cima e abrir uma produtora de eventos com alguns outros amigos, sendo que uma de minhas sócias era amiga dele e principalmente de sua namorada da época. E como a produtora era uma porra-louquisse e inevitavelmente teve uma curta existência, resolvi migrar definitivamente para O DILÚVIO, apesar de ter que voltar para o mercado "formal" de trabalho. Fui tocando em paralelo a revista e acabei me apaixonando por ela de maneira inevitável, tanto que hoje não concebo uma vida fora da "família diluviana".

ZQN: Por que, depois de sete números, resolveram mudar o projeto gráfico?
MJ: Na verdade já vínhamos pensando há mais tempo em trocar o formato e projeto gráfico da revista. Mas como no que chamamos de "primeira fase" da revista tudo era muito precário e amador, não tínhamos noção de como fazer isso e nem o que pretendíamos exatamente. Contudo, quando ficamos sabendo do resultado positivo do edital da Incubadora, resolvemos pensar mais seriamente n’O DILÚVIO enquanto empresa e produto de comunicação. Já sabíamos que havia alguns problemas com nosso "produto", pois sempre era grande a dificuldade em vendermos os exemplares e na marca se tornar conhecida.
Então resolvemos radicalizar de uma vez por todas. Pensamos: "Já que vamos nos tornar ‘sérios’, fazer parte de uma incubadora e tentar uma expansão a nível nacional, vamos evoluir radicalmente nossos conceitos". Como já achávamos a revista "feinha" apesar do bom conteúdo textual, resolvemos estudar um novo formato que também fosse de encontro com nossos valores ecológicos e ao mesmo tempo desse uma cara mais "moderna", mais atraente para a revista.
Porém, algo que ainda nos insatisfaz é o “letter” da marca, o nosso logotipo afinal de contas, pois acreditamos que seja muito quadrado, destoando do restante. É um aspecto sobre o qual temos pensado bastante e que possivelmente vá mudar em breve.

ZQN: Qual o público alvo?
MJ: O público alvo d’O DILÚVIO, apesar de ser bastante segmentado, é bastante amplo e complexo, como quase todos os aspectos de nosso "composto de marketing". Prioritariamente buscamos atingir e enfocar a faixa que batizamos de "jovem adulto", ou seja, não os adolescentes, mas sim os jovens "de vinte e poucos". Entretanto, esse é o perfil de público que consome os exemplares avulsos, distribuídos gratuitamente nas faculdades, eventos e pontos de distribuição. Por outro lado, há uma parcela significativa de leitores acima dos 30 anos, que são mais representativos no que diz respeito a vendas de encartes em bancas, lojas e mesmo assinaturas. Enfim, são eles que "pagam a conta", pois consomem a fração paga de nossa tiragem.
Há ainda as pessoas que conhecem nosso trabalho somente pelos meios virtuais, tais como a comunidade no Orkut, MySpace e site. Estas são mais difíceis de mapear, porém, através das enquetes e outros mecanismos, tendemos a crer que também são pessoas entre 18 e 40 anos (algumas com um pouquinho mais até), instruídas e com poder aquisitivo médio. No quesito gênero, falamos com um público basicamente equilibrado, sendo meio a meio: 50% homens e 50% mulheres.

ZQN: Quais foram os retornos positivos que a revista recebeu até hoje?
MJ: A revista tem recebido uma infinidade de retornos positivos, o que nos motiva muito a seguir adiante inovando, testando, ousando, enfim, experimentando ao máximo para não chover no molhado. Prova disso são os freqüentes “ex-crepes” que recebemos no Orkut, tanto em nossas páginas pessoais quanto no perfil da revista ou mesmo na comunidade. Muitos e-mails chegam também todas as semanas, e muitas vezes nos surpreendemos, pois vêm de pessoas que nem imaginamos como tomaram conhecimento de nosso trabalho.
Muito positivo também é saber que nossas matérias repercutem, que as pessoas as reutilizam, passam adiante e que até muitos professores as têm usado em sala de aula, como instrumento pedagógico e de fomento ao debate. Isso acaba nos gerando outros nichos de trabalho, principalmente para mim, que sou “oficineiro”.
Temos sido chamados para inúmeros debates, palestras, oficinas, eventos, enfim, é muito satisfatório saber que em alguns casos servimos como exemplo para outras iniciativas. Além disso, seguidamente temos sido pauta de outros veículos de comunicação, como rádios, sites, blogs, zines (como está acontecendo neste bate papo!) e até mesmo programas de TV.
E até mesmo no meio mais científico estamos tendo alguma repercussão, pois já três ou quatro estudantes resolveram fazer seus TCCs de conclusão de curso com estudo de caso sobre a revista. Tudo isso somado, mais os contatos pessoais que ocorrem, o reconhecimento público nos locais onde chegamos, a boa receptividade das pessoas que trabalham conosco nas mais diferentes esferas têm sido decisivos para nos mantermos firmes em nossa proposta, e por isso só temos a agradecer toda essa energia que acaba retornando para nós.

ZQN: O que é o Prêmio Uirapuru? Há quanto tempo ele existe?

MJ: O Uirapuru é o prêmio de música brasileira da revista. Ele existe desde o período "paleodiluviano", que é como apelidamos carinhosamente a fase embrionária d’O DILÚVIO, quando nem o nome era esse. Ele foi criado por nosso editor manda-chuva Tiago Jucá bem antes da revista ir para o papel, ainda em 2000.
Na época apenas meia dúzia de pessoas votavam, basicamente os amigos dele, via e-mail. Depois passou pelas news-letters intituladas "Noé leva a dor" e pelo site inicial "A arca de Noé", sempre com o objetivo de apontar os destaques da música nacional no ano anterior à sua divulgação.
Em alguns momentos seu resultado foi se alternando entre o site e a revista, sendo que em algumas edições foi pro papel de maneira modesta. A cada ano veio evoluindo bastante, agregando muitas novas pessoas e hoje já conta com respaldo de nosso público leitor.
Prova disso é sua 7ª edição, cujo resultado foi publicado recentemente, na edição #10. Nesta edição mais recente do prêmio, foi ampliado significativamente o quadro de jurados e graças à divulgação e estruturação da revista, angariou centenas de votos também dos leitores, tendo sido o mais amplo de sua história.
A tendência é que cresça cada vez mais e se consolide enquanto um prêmio realmente significativo perante a opinião pública brasileira, devido à sua independência e pluralidade. A idéia é que um dia possa realmente ser realizado um evento de entrega da premiação, para concorrer com prêmios jabazísticos como o MTV Awards.

ZQN: Vocês possuem jornalistas (colaboradores) fixos ou os colaboradores mudam de edição para edição?

MJ: Assim como praticamente todos os veículos de comunicação, O DILÚVIO conta com um corpo fixo de jornalistas na redação, além dos colunistas do site e da revista. Mas este número é bem pequeno, e estas pessoas também precisam assumir outras tarefas da empresa, pois somos uma estrutura ainda “nanica”, bem pequena mesmo. Porém, além destes colaboradores mais diretamente ligados à empresa, há mais uma dezena de apaixonados pelo projeto que "orbitam" ao redor, sempre dispostos a colaborar com conteúdos e participar de algumas reuniões de redação. Eles "abraçam" uma pauta específica para a edição impressa e têm autonomia também para propor matérias para o site, tais como coberturas de eventos e outras. Além deles contamos com alguns correspondentes "de confiança" no interior do RS e em outros estados, que também sugerem pautas de outras localidades, o que é bastante variável.
E há seções em que convidamos outros para colaborarem, a exemplo da "Aventura", onde o objetivo é que se transmita a vivência pessoal de alguém em outro país, algo meio "primeira pessoa". O objetivo maior, no entanto, é sempre uma ampla diversidade de temas, abrangência e autores publicando, para que sejamos uma revista plural e não pessoal, escrita apenas por duas ou três pessoas. Para comprovar isso, basta conferir o "Speed enter" (expediente) de cada uma das edições, onde sempre figuram no mínimo 20 nomes com algum grau de envolvimento na produção do conteúdo.

ZQN: Quem pode colaborar?
MJ: Basicamente qualquer pessoa de boa vontade pode colaborar com O DILÚVIO, desde que apresente empenho, criatividade e, claro, qualidade em seu trabalho. É importante também que conheça minimamente a linha editorial do veículo e que compreenda nosso conceito de "não chover no molhado". Somos bastante abertos a participações e sempre procuramos incentivar pessoas a contribuírem de alguma forma com o processo, pois é a diversidade de opiniões, pontos de vista, talentos e outros aspectos que trazem força à publicação e respaldo dos leitores. Fica o convite aos interessados: podem entrar em contato, pois não mordemos não!! Hehehehe...

ZQN: Onde podemos encontrar O Dilúvio?
MJ: Há várias maneiras de encontrar O DILÚVIO (invente a sua!, diria a propaganda do Neston), mas a mais fácil é certamente via assinatura, se você é de fora do RS, ou nos pontos de distribuição, se você mora na região metropolitana de Porto Alegre.
Por sermos daqui, certamente os leitores mais próximos geograficamente dispõem de mais opções neste sentido. De resto, depende um pouco de sorte, pois basicamente entregamos em blitz nas universidades, eventos nossos ou que apoiamos ou via correio mesmo. Mas hoje trabalhamos fortemente num processo de nacionalização da revista, então já está disponível em algumas capitais de outros estados, tanto para compra quanto para pegar o exemplar gratuito. E trabalhamos também bastante com o que chamamos de "operação formiguinha", através de pessoas que se encarregam da distribuição mão-a-mão em outras localidades.
Essas pessoas recebem pacotes que variam de 5 a 40 exemplares e se responsabilizam em difundir a revista em sua área de atuação, principalmente, neste momento, entregando para formadores de opinião e pessoas interessadas. Para facilitar essa confusão, procuramos sempre divulgar em nossos meios virtuais os locais onde estão disponíveis os exemplares.

ZQN: E o projeto "Aperte o prêi"? Como ele funciona e quem teve a idéia?
MJ: O "Aperte o Prêi" veio a ser a materialização de uma idéia antiga nossa, mas que como tudo na vida aconteceu da forma mais inusitada e não planejada possível. Desde que começamos a encartar CDs (na edição #5), também surgiu a vontade de ampliar as possibilidades de encartes, tanto que até um livro já lançamos (na edição #7). E um DVD sempre permeou essas idéias, porém esbarrávamos nas questões técnicas e de custos. Mas que na verdade se mostraram transponíveis depois de realizarmos este primeiro, provando que o que faltava era empenho e tirar a idéia da cabeça e pôr no papel mesmo.
Este primeiro volume, como quase tudo aqui na revista, surgiu duma espécie de "brain storm" durante uma reunião meio complicada que tivemos, por conta da chegada dos EPs da Orquestra Imperial. Às vezes temos algumas surpresas com relação aos encartes, principalmente quando trabalhamos à distância, como foi no caso deles, que são do RJ.
Combinamos tudo com a OI, achamos “ducaralho” a idéia de poder encartá-los, mas a realidade é que não havíamos visto ainda o produto que nos forneceriam. E qual nosso choque ao receber as peças e constatar que, além de serem só 4 faixas que somadas totalizavam pouco mais de 10 minutos de música, eram em SMD, tecnologia que barateia a produção e que por conta disso estampa na capa o preço final de repasse ao consumidor: R$ 5,00.
Como somos uma empresa ética, chegamos à conclusão que seria enganoso repassar para nosso leitor apenas este encarte, pois nosso padrão de preço é de R$ 10,00 (dos quais R$ 6,00 vão para o artista), visto geralmente encartarmos CDs "completos". Então, começamos a quebrar a cabeça no sentido do que mais poderíamos agregar à edição para ela valer seu preço de capa, tendo em vista a satisfação do leitor. E depois de muitas sugestões, discussões e tal, eis que algum iluminado, que no fim ninguém nem lembra quem foi, deu a idéia de fazermos um DVD. Inicialmente alguns argumentaram da dificuldade e tal, mas o Mateus foi quem acabou insistindo e demonstrando a viabilidade. Daí começamos a correr, pois faltavam apenas duas semanas para o lançamento da edição. Por sorte conhecemos várias pessoas metidas a cineastas, experimentadores da sétima arte e outros doidos dessa área, inclusive um dos nossos colaboradores. Ficaria muito longo se eu fosse descrever todo esse processo, mas o fato é que nos superamos e realizamos tudo nos 15 dias que dispúnhamos, desde a seleção dos filmes, padronização dos elementos na master, até a confecção das capinhas e serigrafia das mídias.
E no fim deu tudo certo, transformamos o limão em limonada e acabou sendo um tremendo sucesso, tanto que até agora, quando já esgotou a tiragem, ainda estamos recebendo encomendas. Isso nos fortaleceu muito enquanto equipe e empresa, e certamente fortaleceu o projeto, que retornará em breve, com diversas modificações e evoluções.

ZQN: Qual o objetivo da revista?

MJ: O objetivo primordial e principal da revista é levar cultura, informação e entretenimento livres para o leitor. E por "livres" entendemos vários aspectos, como ela ser gratuita, estar disponível também no site, inclusive para download, encartar produtos culturais de artistas independentes e, acima de tudo, autonomia editorial, no sentido de que os autores têm total liberdade de expressão e estilo, e de que o comercial jamais vai falar mais alto do que a redação no que diz respeito ao conteúdo. Nesse sentido o parâmetro é sempre nossa própria crença no que é certo, e na de nossos leitores, e não dos patrocinadores, que compram espaço comercial mas jamais opinião. Além disso, é claro que também objetivamos a auto-sustentação d’O DILÚVIO enquanto empresa, e nosso auto-sustento, enquanto trabalhadores. Todos aqui sonham poder viver apenas dessa empresa, sem ter que "prostituir" partes de seu tempo com outros trabalhos que não nos realizam ou não acreditamos. Isto está diretamente ligado a outro grande objetivo nosso, que é poder expressar e atuar com autenticidade e responsabilidade, sem pressões de chefes ou sensores. Basicamente é esse nosso intuito: auto-realização enquanto pessoas e profissionais, antes de qualquer outra coisa.
Mas também gostamos de saber que em alguma medida estamos abrindo caminhos para outros, mostrando a possibilidade prática de pessoas viverem daquilo que gostam e sabem fazer. Assim nos sentimos como participantes ativos de um processo de democratização e pluralização das vozes na sociedade, de desmistificação dos processos de comunicação social, algo que cremos ser muito saudável para todos.

ZQN: Qual o seu objetivo com a revista?
MJ: O meu objetivo está em grande parte explícito na resposta anterior, pois é primeiramente essa realização profissional, pessoal, financeira. Além disso, meu sonho é que eu possa percorrer o mundo enquanto profissional da comunicação, a partir de uma atuação reconhecida, sem ter que ir "pra gringa" lavar pratos ou engraxar sapatos. Se um dia estiver lá, vai ser por ter conseguido ampliar de maneira substancial minha e nossa capacidade profissional, de atuação e articulação e aí sim vai ter valido a pena. Poder voar alto a partir de uma base que eu, nós construímos desde o solo.

ZQN: O que ela significa para você?
MJ: Ela significa atualmente quase tudo pra mim. Empenhamos e dedicamos aqui parcela substancial de nosso tempo, nossas energias, nossas expectativas e esperanças, e isso tem criado uma simbiose quase irreversível entre as pessoas e a materialização desse sonho coletivo, que chega às pessoas em forma de produto palpável, mas que pra nós é bem mais que isso.
Cada página da revista é composta do suor e (às vezes, por que não?) até do sangue dos que estão envolvidos nela. Passamos por diversas privações e sacrifícios em nome dela, e essa paixão que move todo esse time até mesmo em alguns momentos chega a gerar tencionamentos e conflitos inevitáveis, o que depois também fortalece. Então, parafraseando o Otto, em entrevista a nós próprios, "O DILÚVIO é vivo, é meu amor, é meu tesão!"
Mas não posso deixar de fora também minha veia pedagógica, pois me preocupo e gosto de envolver com questões ligadas à educação, talvez até por influência de meu pai e minha tia, que são professores. Por isso acredito que O DILÚVIO também tem me possibilitado visibilidade suficiente para eu ser chamado para oficinas, debates e coisas assim, significando então um acesso à este mundo, que me fascina bastante.

ZQN: Você tem outros projetos paralelos a esse?
MJ: Continuando a partir do que estava falando, tenho conseguido voltar a trabalhar com estas questões mais ligadas à arte-educação, a exemplo de oficinas de fanzine, e isso me leva a outras atividades, como preparar estas apresentações, o que acho muito bacana.
Curto criar algumas espécies de "jogos didáticos", através dos quais tento passar conceitos de ortografia, gramática, criação publicitária e de redação, enfim, incitar o raciocínio, a curiosidade e criatividade das pessoas. Infelizmente tenho tido pouquíssimo tempo para isso, então minhas oficinas são basicamente requentados de coisas que eu já havia concebido em outros tempos (minha fase de "paixão mais intensa" pelo mundo zineiro). Mas acredito que mais adiante poderei me dedicar mais a isto, o que será muito legal. E também tento trabalhar, sempre que possível, em meus fanzines próprios, que em geral começo e não acabo (normal, hehehehe). Tenho alguns quase acabados, mas que sei lá há quanto tempo não tenho conseguido pegar para trampar. E quando dá também faço algumas outras criações a partir de cola, papel e tesoura, como cartões comemorativos, flyers e coisas desse tipo. É uma das principais coisas que tento passar nas oficinas: de que as técnicas fanzineiras servem para bem mais do que produzir um zine em si.
Além disso contribuo com uma professora aqui da Feevale, meio "em off", numa pesquisa em comunicação, que já iniciamos no semestre anterior, período no qual concluímos outra também. Com ela desenvolvo meu lado de produção mais "científica", digamos assim (hehehe), e já tive como fruto meu "primeiro livro", onde meu nome saiu como co-autor, algo muito legal para minha carreira de escritor.

ZQN: Quais serão as próximas "invenções" d'O Dilúvio? Você pode adiantar algo?
MJ: É muito difícil poder antecipar quais nossas próximas "invenções", porque aqui tem um bando de maluco que tá sempre querendo inventar moda e arranjar sarna pra se coçar. Basta a gente imaginar um fim-de-semana livre com a família e os parceiros e algum retardado tira da cartola a produção de adesivos ou pastinhas pro comercial ou coisas assim. E às vezes as idéias surgem do nada, em horas inusitadas, então é mais difícil de prever do que Tsunami.
Mas é claro que como toda "boa" empresa temos algumas metas, objetivos e um mínimo de planejamento a médio e longo prazos. Então, algumas coisas que já temos claras é ampliar a tiragem (que já não dá conta da demanda), aumentar gradativamente o número de páginas e seções, diminuir a periodicidade para bimestral e posteriormente mensal e também modernizar nossa logotipia. O site também passará por uma profunda revolução, aguardem, e certamente um volume 2 da série "Aperte o prêi" será lançada, mas mais que isso já é coisa pra Nostradamus dizer...

ZQN: Se elas existem, por quais dificuldades passa a publicação?
MJ: A publicação, assim como todas independentes/ alternativas, passa pela dificuldade elementar de falta de grana. Hoje, felizmente, já não atuamos totalmente no vermelho e temos conseguido "honrar" nossas despesas enquanto empresa, mas salários, por exemplo, para os colaboradores ainda não existe.
Temos também algumas dificuldades administrativas, afinal somos comunicadores e não gestores profissionais, mas que aos poucos vamos assimilando e contornando, pois apesar de tudo também não somos tão estúpidos (hehehehe). O fato, contudo, é que ser empreendedor no Brasil é 10 vezes mais difícil do que ser comunicador, e isso tem nos amadurecido muito.
Algumas deficiências tecnológicas por horas também se mostram obstáculos efetivos, porém vão sendo sanados na medida das possibilidades, pois este tema geralmente envolve altos valores quando se pensa em soluções de qualidade, e esta verba ainda falta à empresa.
Mesmo com essas dificuldades, no entanto, várias evoluções têm se mostrado nítidas, de edição para edição, e acabam superando os aspectos negativos em freqüência e amplitude, e por isso cremos que todos serão superados a seu tempo.

ZQN: Qual o futuro das publicações independentes no Brasil? Como você as vê hoje?
MJ: Acredito que o número de publicações e a conseqüente qualidade média delas deve crescer cada vez mais. A cada dia se conta com mais facilitadores tecnológicos para que as pessoas se comuniquem e se expressem e isso vai gerando transformações a cada geração, que vai se sentindo mais livre pra interferir e produzir, ao invés de apenas consumir e receber, como nos tempos passados.
Assim, acho que hoje estamos vivendo a ponta desse iceberg, com publicações novas surgindo a todo tempo, em todo lugar, mas infelizmente muito poucas são as que perduram o suficiente para contar (su)a (própria) história, para que as pessoas se importem com essa história. O que projeto de diferente para o futuro é que muitas mais terão fôlego para ir adiante, para se manterem vivas e crescendo.
Só não se pode é ir contra a corrente da gratuidade, pois creio que cada vez menos pessoas estarão dispostas a pagar por conteúdo e informação. Quem deve pagar a conta, cada vez mais, são as empresas que querem veicular sua lembrança na mente dos consumidores de outras necessidades, e não o leitor.
E acho que neste sentido várias publicações já estão na vanguarda em nosso país, felizmente, mas ainda é pouco, diante do que pode-se crescer.

ZQN: Quais suas expectativas para o futuro próximo?
MJ: Ser feliz naquilo que realizo, ter qualidade de vida sem desqualificar a das demais pessoas, poder curtir ao ar livre os dias ensolarados e aconchegado os nublados e chuvosos junto com alguém especial e rodeado de pessoas divertidas, ganhar o suficiente para realizar alguns pequenos desejos sem prejudicar os de outrem, poder viajar o suficiente para adquirir “cultura” de fato (e não teórica), poder ser um difusor, uma antena potente, das boas idéias e realizações, ter saúde suficiente para realizar e curtir tudo isso e amor suficiente no coração para compartilhar e propagar tudo isso. O resto é só conseqüência, então deixa o destino trampar um pouquinho também...

ZQN: Passe os contatos d'O Dilúvio e os seus também para quem se interessar em conhecê-los.
* O DILÚVIO: a revista que não chove no molhado *
Contatos: (51) 3586-8906
revista@odiluvio.com.br assinante@odiluvio.com.br
www.odiluvio.com.br www.myspace.com/revistaodiluvio
Comunidade no Orkut: http://tinyurl.com/y269e8
Sede administrativa: Incubadora de Design da Feevale - Rodovia RS 239, 2755 Sala 9 Vila Nova Novo Hamburgo RS CEP: 93352-000
Redação: Av. Carlos Barbosa, 107/405 Medianeira Porto Alegre RS CEP: 90.880-001

Marcelo Jaguará (Trafegante de informação)
manojaguara@hotmail.com
(51) 3582-8626 / (51) 8117-7824 (tá dando pau...)

ZQN: Esse espaço é todo seu. Deixe seu recado.
MJ: Bom, já falei tanto que o recado acho que foi dado... Desculpem, mas sempre falo demais... hehehehe...
Mas, falando sério, acho que era isso. No mais, tentem sempre ser felizes e fazerem as coisas com tesão, paixão, amor, enfim, intensidade. Lembrem-se de que só alcançamos aquilo que nos dispomos a buscar. E o fruto será tão saboroso quanto nos empenhamos em adubar sua árvore. Como diria o sempre sábio Saint-EXupéry: "Foi o tempo que dedicaste à tua rosa que fez tua rosa tão importante." Falow, cuidem-se e fiquem na paz!! Beijo pras mina, abraço pros mano!!

ZINE QUA NON #8


terça-feira, março 27, 2007

ENTREVISTA #7

31 anos, esposa, uma filhinha, cadernos escolares desenhados, litografia e muita determinação formam Andrei Muller. Através de sua arte, com intensidade e verdade, representa mistérios da vida e da morte e, muitas vezes, emociona. Experimentando várias técnicas, Andrei prepara seus novos trabalhos, que incluem vídeo e website. Já expôs na Galeria Choque Cultural e na Fortes Vilaça, em São Paulo, e sua criatividade promete muitas outras exposições em breve. Por todas essas características, o ZQN especial traz uma entrevista um tanto quanto descontraída e para comemorar um ano de atividades.

* por Paula Cabral Gomes *

Zine Qua Non: Quando você começou a desenhar?
Andrei Muller: A memória mais remota que eu tenho é no jardim da infância. Todas as crianças fazendo altas cagadas com cola colorida e eu empenhado em desenhar o Super-Homem. Me lembro bem que era aquele esquema de fazer qualquer coisa com a cola colorida numa metade da folha pra depois dobrá-la e passar a cola pro outro lado, formando aquelas figuras abstratas e simétricas, que usam em testes de psicologia, saca? Tudo bem colorido e psicodélico. E nessa eu tava lá empenhado em desenhar o Super-Homem com todos os detalhes. Quando terminei o desenho peguei e fiz o mesmo que as outras crianças, dobrando a folha e estragando o desenho todo. Lembro da tia falando do outro lado da sala: "ANDREEEIIIIIii NÃÃÃOOOoooo...", mas aí já era tarde demais. O Super-Homem ficou todo deformado. Eu desenhava o tempo todo na escola.

ZQN: Na escola, como era a relação com os professores, já que você desenhava mais do que prestava atenção nas aulas?
AM: Normal. Alguns me chamavam atenção, alguns até achavam legal, me elogiavam e tudo. O lance do desenho não era o problema, porque, enquanto eu desenhava, eu não tava fazendo zona.Fui suspenso incontáveis vezes, e não fui expulso por muito pouco. Mas nada disso tinha a ver com o fato de ficar desenhando. Nunca repeti de ano nem fiquei em recuperação. Só estudava o suficiente pra passar de ano e sempre passava raspando.

ZQN: Quando a "coisa" ficou séria mesmo e você resolveu mostrar seu trabalho?
AM: Quando entrei pra escola de Belas Artes da UFRJ e descobri o atelier de litografia. Antes tudo que eu fazia era desenho de caderno escolar. Mas por mais detalhados e fantásticos que poderiam ser, eles continuavam sendo "desenhos de caderno"...
Entrei pra EBA e passei a frequentar esse atelier de litografia. Nessa comecei a ter a pretensão de fazer "obras de arte"... sei lá.

ZQN: Você fez durante sete anos litografia na EBA, UFRJ, e, como você me disse isso acabou virando uma doença e um sofrimento. Por quê?
AM: Então, na faculdade eu podia pintar, esculpir, fazer xilogravura, gravura em metal, etc etc... Mas a única coisa que eu queria fazer e fiz foi litografia. Eu ficava o dia inteiro infurnado no atelier, cheguei a dormir lá (no atelier da faculdade) várias vezes, etc. Era uma doença mesmo. um vício. Fazer gravura e em especial lito é uma coisa bem física. O processo é bem desgastante. As pedras que eu usava (matrizes litográficas) eram enormes e muito pesadas. Era carregar pedra pelo atelier todo, esmerilhar, acidular, imprimir, imprimir, imprimir... Eu realmente me sentia em tempos medievais trabalhando em algum calabouço de tortura ou coisa parecida. Pra quem não conhece o processo não da pra ter uma noção muito boa. Mas resumindo: é bem desgastante e medieval. Principalmente se você faz trabalhos de proporções grandes e com mais de uma matriz. Eu só usava as maiores pedras do atelier, que devem medir mais ou menos 100cm x 80cm, e devem pesar uns 100 quilos. E em cada trabalho sempre utilizava de 4 a 6 matrizes. Mas isso tudo acabou. Sabe aquela coisa de treinamento em filme de artes marciais onde o cara treina sete anos com pesos amarrados nas mãos e nos pés? Agora eu faço pintura dançando. Sem esses pesos.

ZQN: Onde suas obras já foram expostas?
AM: No Rio: no Museu do Ingá, na Casa da Matriz, no Circo Voador e em alguns salões de arte da EBA. Em São Paulo: na Galeria Choque Cultural e na coletiva da troca de galerias da Fortes Vilaça X Choque Cultural, na Fortes Vilaça.

ZQN: Quando seu trabalho ficou mais conhecido?
AM: Depois que vim pra São Paulo em 2005 e expus na Choque Cultural. A repercussão foi excelente.

ZQN: Como é a aceitação do público?
AM: Quando tava rolando a minha individual na Choque no ano passado, eu presencie um casal entrando na expo e saindo logo em seguida como se tivessem visto a febre amarela. A mulher falando que não aguentava ficar ali naquele ambiente... "muito tenso". Não gostaram nem um pouco... Mas tipo, o Igor Cavalera se amarrou.

ZQN: Quais foram/são suas inspirações?
AM: Tudo. Coisas intensas e verdadeiras. Que tenham substância. Que sejam capazes de me emocionar. E todos os mistérios da vida e da morte.

ZQN: Quando veio para São Paulo? Por quê? Como está sendo essa experiência?
AM: Vim pra São Paulo em abril de 2005 atrás do amor da minha vida, que hoje é minha mulher. A experiência está sendo intensa e o resultado disso tudo é nossa linda filhinha de 10 meses.

ZQN: Como é sua relação com a Galeria Choque Cultural? Quando começou essa relação?
AM: A relação é muito boa e começou no dia que eu cheguei lá na galeria com as litos de baixo do braço e os caras gostaram. Também gostei deles.O pessoal lá da Choque é de verdade.

ZQN: O que acha do trabalho da Choque?
AM: Acho excelente e bastante relevante por abranger estilos diversos dentro de um contexto mais underground/alternativo. Não existe muito disso por aí. A Choque é especial.

ZQN: De quais artistas gosta?
AM: Werner Herzog, Harmony Korine, Justin Broadrick(Jesu/Godflesh), Leonard Cohen, Lourenço Mutarelli, Gustavo Speridião, Flávio Vasconcellos, José Bonfim, Roger Vianna, David Lynch, Slayer, Public Enemy, Frank Miller, Dave Mckean, Joel Peter Witkin, Jimi Hendrix...

ZQN: Qual a diferença entre expor na Choque Cultural e na Fortes Vilaça?
AM: Na Choque, eu montei a exposição toda sozinho. Na Fortes, tinham dois caras com luvas brancas que penduraram as telas.

ZQN: Depois de trabalhar tanto tempo com litografia, como está sua relação com a pintura? (Hehehe...)
AM: Estive casado com a litografia por sete anos e a deixei pela pintura. Nunca mais quero fazer lito. (a não ser que carreguem as pedras e imprimam tudo pra mim). Lito dói e acredito já ter sofrido o bastante, o suficiente com ela.
É engraçado por que sinto como se já pintasse a muito tempo, e tipo, comecei a pintar não faz dois anos... É aquela história do "treino" de sete anos na lito aplicado e potencializado na pintura.("Eu pinto dançando", haha...)

ZQN: Qual a ligação de seu trabalho com a música? Quais sons você diria que tocam quando está produzindo e quando analisa as obras?
AM: Jesu e Godflesh são os sons que mais escuto. Tem influência direta no meu trabalho.

ZQN: Quais outros trabalhos você está desenvolvendo?AM: Comecei uma série nova de pinturas e estou levando bastante a sério meu trabalho com vídeo, que tem evoluído bastante. Acabei a pouco tempo também a arte pro cd da banda Maldita. O projeto gráfico do cd é todo em cima das minhas pinturas.
Vai tá rolando um website com meus trabalhos também em breve.

ZQN: De onde veio a idéia de misturar instrumentos médicos, ursinhos de pelúcia, bebês e parafusos na mesma obra?
AM: Não sei muito bem. São imagens com simbolismo forte e surgiram no meu trabalho de maneira espontânea. E tem também os dentes, o martelo, a cadeira, os pregos, a cruz... Símbolos que, de alguma maneira, acredito traduzirem minhas lutas e questionamentos internos sobre a vida e a morte.

ZQN: Como você consegue colocar tanta intensidade em suas obras?
AM: "Sou um cara sensível". Sei lá... Eu tento sempre ser o mais sincero comigo mesmo e nunca usar nada de forma gratuita nas minhas obras. Desenvolvi um senso de auto-crítica muito apurado e sou muito rígido em relação ao que produzo. Acho que a minha busca é traduzir de alguma maneira os temporais que estão dentro de mim. Eu me esforço.

ZQN: Quais os planos para esse ano?
AM: Produzir mais do que o ano passado, colocar o trampo pra frente e correr atrás desses dólares.

ZQN: Qual o espaço dado à arte no Brasil? Acha ser suficiente?
AM: O espaço dado a arte é muito grande no Brasil. Deve ser suficiente sim. Faltam é mais hospitais públicos decentes, escolas... Essas coisas mais básicas, né!

ZQN: Este espaço é seu. Deixe seu recado.
AM: Ana Elisa, eu te amo!

ZINE QUA NON #7 especial


segunda-feira, janeiro 15, 2007

ENTREVISTA #6

Como a música faz, sempre fez e sempre fará parte da vida de muitas pessoas, inclusive da minha, resolvi entrevistar Frederico Finelli, 30 anos, da Submarine Records, que trabalha diretamente com esse mundo maravilhoso, mesmo cheio de tantos obstáculos, nenhum deles impossível de se superar. Nascido em Belo Horizonte (MG), lá fundou a Submarine Records, selo independente que desde 1998 vem lançando artistas do Brasil e exterior. Faz parte do "cast" da Submarine os artistas Hurtmold, São Paulo Underground, The Eternals, M.Takara, além de ter lançado também registros do Againe e Diagonal. Atualmente mora em São Paulo.

* Por Paula Cabral Gomes *

Zine Qua Non: Como surgiu a Submarine Records? De onde veio a idéia e como foi colocá-la em prática?
Fred Finelli: A Submarine iniciou suas atividades em dezembro de 1998. A idéia surgiu da vontade de colocar na rua música independente que nos dizia algo. A prática veio com o lançamento de uma coletânea em cd "some songs, some places, some feelings" (1000 cópias), em maio de 1999.

ZQN: Qual a principal base da gravadora?
FF: A base da Submarine é trabalhar com artistas que façam música que seja relevante pra gente e de preferência (até hoje tem sido assim) que tenhamos uma afinidade, proximidade com o pessoal que lançamos. Temos também uma preocupação em buscar sempre lugares decentes para shows. Locais que respeitem quem está tocando e o público, que é quem vai, paga o ingresso e compra os discos.

ZQN: Como é o relacionamento com as bandas e os músicos?
FF: O relacionamento é bem ok, pois sempre estamos em constante comunicação com os artistas e músicos. A Submarine além de lançar os discos, trabalha em divulgação, suporte e agendamento de shows. Uma relação de cumplicidade entre artista e selo faz a coisa funcionar aqui.

ZQN: De que forma você veio parar no meio under da música brasileira e internacional?
FF: Em 1989 em meio aos discos de trash metal e a era Cogumelo Records (Belo Horizonte) conheci o punk, mas ainda era o punk "clássico" por assim dizer e, juntamente com um amigo (Bruno), começamos a ir atrás de informação, coisa de descoberta mesmo. Daí conhecemos o circuito de shows underground na cidade, as demo tapes, os fanzines, os selos independentes de fora, as centenas de bandas. E o lance era que nessa época quase tudo era feito por carta. Desde pedir um catálogo de lançamentos de um selo, trocar material, fazer amizade, etc. Depois conheci de perto um fanzineiro (Guilherme, do Esquistossonoise). Comecei a colaborar no zine dele, até que em meados dos anos 90 eu criei meu próprio (Needle, que teve 04 #s) e depois montei a Submarine Records.

ZQN: É mais difícil mostrar o trabalho das bandas brasileiras para o público daqui ou para o de outros países?
FF: Acho que o que difere são as realidades culturais, sócio-econômicas e de características próprias dentro do meio independente/underground de cada lugar. Um país que possui uma estrutura, cultura forte voltada para a produção independente recebe melhor o trabalho, o que não é o caso do Brasil.

ZQN: Você considera que o Hurtmold abrir shows dos Los Hermanos é um avanço para o seu trabalho ou é apenas outra maneira de divulgação?
FF: Eu acredito que seja um fruto do trabalho tanto do Hurtmold quanto da Submarine aliado ao fato do Los Hermanos gostar da música do Hurtmold e estar com um olhar voltado para bandas independentes.Para a Submarine é sempre bom ter a oportunidade de mostrar a música para um público que dificilmente iria a um show do Hurtmold no circuito independente. E além do mais, o que eu percebi quando trabalhei nestes shows de abertura é que o público do Los Hermanos é atento e sempre chegou cedo e assistiu os shows do Hurtmold e se interessou pelos seus discos e por informações pertinentes. Isso é muito positivo.

ZQN: Qual é a maior dificuldade enfrentada pela Submarine?
FF: Legal esta pergunta… Sabe o que acontece? Eu percebo e escuto por aí muita reclamação com relação a esta coisa de "dificuldade". Olha, eu tenho certeza absoluta de que as coisas são difíceis SIM, pois passei e passo por muitas, mas tem como você minimizar este sofrimento e não usar estas "dificuldades" como desculpa ou argumento para camuflar uma falta de empenho, descompromisso e um não posicionamento diante das situações que enfrentamos no independente. Então a maior dificuldade talvez seja se situar, saber onde está pisando, ver quem é quem e o que você quer.

ZQN: Maurício Takara, além de tocar no Hurtmold, leva os trabalhos M.Takara e São Paulo Underground, os três acompanhados pela Submarine Records. Como é ver de perto o desenvolvimento de um músico e, de certa forma, ajudá-lo nesse processo?
FF: É sempre bom ver as coisas caminhando. O Maurício além de amigo é um músico que tenho grande admiração. Sempre conversamos sobre os trabalhos, trocamos idéias e discutimos sobre o que se passa. A relação é boa por que não nos comunicamos somente quando tudo está um mar de rosas, e sendo assim as coisas sempre tendem a ficar claras e funcionais neste sentido. É muito gratificante estar de alguma forma junto no processo, mas acima de tudo o Maurício é um cara dedicado, que corre atrás. Ele optou por um caminho e está focado nele, que é fazer música.

ZQN: Como foi a vinda de Joe Lally para o Brasil? Muitos queriam ver o Fugazi em suas apresentações?
FF: Os shows que vi e acompanhei (os três de São Paulo) foram bem bons. Música forte. Achei ótimo o Maurício (Takara) e o Fernando (Cappi) terem tocado com o Joe nos shows, pois juntos deram uma outra roupagem, uma interpretação diferente para as músicas. Foi legal mesmo a vibe entre os três.E quanto aos que queriam ver o Fugazi é aquilo, basta estar informado e disposto em saber o que se passa. O Joe veio ao Brasil com o disco dele lançado. Não era uma surpresa.Então se alguém foi ao show e ficou "desapontado" (notei isso mais no primeiro show) porque esperava a sonoridade da sua banda anterior, "caiu do cavalo" por sua própria desinformação e desinteresse.

ZQN: Qual sua opinião sobre a música brasileira? Tanto a que está na grande mídia, quanto a que vive no chamado cenário underground?
FF: A música brasileira tem o seu poder, qualidade e está representada e sendo feita em tudo quanto é nicho. Como qualquer estilo e segmento, tem suas coisas boas e ruins. Mas aí é de cada um escolher o que te causa, o que te faz bem ou soma de algum modo para o seu dia a dia.

ZQN: Com o (re)lançamento da revista Rolling Stone no Brasil, o questionamento sobre publicações "significantes" brasileiras que falam sobre música (em geral) e outros assuntos com qualidade e conteúdo tornou-se maior. Qual sua opinião sobre as mídias que tratam da música e da cultura brasileiras?
FF: Com relação às mídias relacionadas a música, as que tem me interessado ou pelo menos feito um trabalho decente, no meu ponto de vista, estão no independente. Nâo é também uma quantidade enorme de veículos, mas os que fazem bem estão preocupados em buscar informações, escutar a música e escrever sobre ela. Ou seja, trabalhar, fazer o que se propõem.Na grande mídia a coisa anda bem caída, o que importa ali é estética, comércio, bizarrice, apelação, muita preza e a música ficando em último lugar.

ZQN: Qual tipo de som você curte?
FF: Música em geral. O tempo vai passando e você vai mais e mais conhecendo outras coisas (velhas e contemporâneas) absorvendo informação e o melhor de tudo, tendo novas sensações. Pra mim é vital isso.

ZQN: O que falta para a música brasileira ser valorizada pelo próprio brasileiro?
FF: A música brasileira está aí todo dia, na periferia, nos grandes centros, no interiorzão do país… as pessoas ouvem música brasileira.Acho que só falta os "formadores de opinião" valorizarem/enxergarem o que é produzido no país.

ZQN: O que podemos esperar das bandas que estão aparecendo?
FF: Eu não sou muito de ficar esperando estas coisas… mas se eu tivesse que esperar… esperaria que as bandas fizessem o que quisessem fazer e não o que gostariam que elas fizessem. Um som desprovido de tendências, filões e essas coisas.

ZQN: Você acha que o rock deixou de "fornecer bons filhos" como muitos pensam e dizem por aí? Que apenas encontraremos "mais do mesmo"? (não que eu acredite nisso!)
FF: Acho que sempre há coisa boa surgindo sim. Às vezes este assunto gira um pouco em torno de um saudosismo desnecessário e preconceito até.O que era bom no passado não perde seu espaço hoje e o que está vindo por aí pode ter e tem suas qualidades também. Por que não?

ZQN: Quais são as novidades e os planos de/para 2007?
FF: Em 2006 aconteceu muita coisa boa por aqui. Para 2007 o que posso adiantar são os novos discos do The Eternals e Hurtmold, além do lançamento do cd "mestro", do Hurtmold, na França. E no mais estamos trabalhando aqui para fechar mais atividades para 2007.Mas sempre prefiro abrir a boca quando as coisas estão certas.

ZQN: O que você deseja para a Submarine e para a música para 2007 e os anos seguintes?
FF: Para a Submarine desejo paz e saúde pra trabalharmos. Para a música… humm… sei lá, que venha soprada por bons ventos.

ZQN: Este espaço é seu. Deixe seu recado.
FF: Obrigado a você Paula pelo espaço e pelo interesse.É muito bom poder responder perguntas para um fanzine impresso.Agradeço também a todos que comparecem aos shows do Hurtmold, São Paulo Underground, The Eternals, M.Takara e que compram nossos discos. Feliz 2007!Para conhecer a Submarine Records e seus artistas:
www.submarinerecords.net


ZINE QUA NON #6


ENTREVISTA #5

Maurício Takara tem 24 anos é membro da banda paulistana Hurtmold e do projeto São Paulo Underground. Já tocou com um monte de gente diferente, às vezes como banda mesmo e às vezes apenas como músico contratado. Entre vários estão: Small Talk, Safari Hamburgers, Xis, Stela Campos, Cidadão Instigado, Otto. Através da música, viajou por várias cidades espalhadas pelo Brasil todo, pelos EUA, pelo Canadá, por vários países da Europa e pela Índia.

* por Paula Cabral Gomes *

Zine Qua Non: Qual a importância do underground para o cenário paulistano e brasileiro?
Maurício Takara: Considerando underground um cenário independente e mais alternativo aos grandes meios, acho que cada vez mais ele se solidifica e se torna como o meio mais viável para os artistas concretizarem seus trabalhos. Visto que cada vez mais os grandes meios de comunicação e de produção se ligam a padrões e ao mercado do que à produção artística.

ZQN: As mídias alternativas ajudam bastante as bandas novas e independentes a divulgarem seu trabalho?
MT: Ajudam sim. Principalmente com a internet, muita gente se liga mais em mídia alternativa do que na grande mídia.

ZQN: Você acredita que, com a internet, o underground deixou de ser underground?
MT: Não. Sempre terá gente fazendo uma arte mais obscura, que não é de fácil acesso ou compreensão.
ZQN: A grande mídia está dando mais espaço para as bandas independentes?
MT: Acredito que não é nem que está dando mais espaço, mas sim sendo obrigado a prestar mais atenção nas bandas independentes.
ZQN: Há quanto tempo você toca? Quantos instrumentos? E como surgiu o interesse pela música?
MT: Comecei a tocar violão e teclado a uns 15, 16 anos atrás. Meu pai começou me ensinando e depois fui estudar com outros professores. Depois de uns 2 anos comecei a tocar bateria. Em 99 comecei a estudar trompete também. Esses são os instrumentos que eu toco mais. Mas gosto de experimentar em quase todos que eu conheço.
ZQN: Assinaria um contrato com uma grande gravadora?
MT: Assinaria se fosse de acordo com todas as coisas em que eu acredito. Ou seja, praticamente impossível de existir numa gravadora grande.
ZQN: Quais os problemas que podem surgir ao ingressar numa grande gravadora?
MT: No meu ponto de vista, normalmente, os principais problemas são a falta de autonomia artística, grandes expectati-vas no sentido mercadológico e excesso de gastos.
ZQN: Como é sua relação com a Submarine Records e como "vocês se conheceram"?
MT: A gente se conheceu através de shows e outras bandas por volta de 97. Nossa relação é talvez até mais de amizade do que profissional. Mas temos uma relação bem saudável, trabalhamos juntos em todos os sentidos na maioria do tempo. Não é um esquema só "disco, números e acertos."
ZQN: Fale um pouco sobre o São Paulo Underground. Como surgiu a idéia de montar este projeto, quem faz parte, como foi o lançamento do Sauna: um, dois, três?
MT: A base do SP Underground sou eu e o Rob Mazurek. Ao vivo tocamos com formações diferentes, no momento com o Guilherme Granado no teclado e sampler e Richard Ribeiro na outra bateria. Esse projeto surgiu quando eu conheci o Rob em 2003, em Belo Horizonte. Ele assistiu a um show do Hurtmold e combinamos de fazer música juntos. O disco sauna: um, dois , três é nosso primeiro lançamento e foi um disco muito bom de fazer. Experimentamos muitas coisas novas nele, tivemos a participação de um monte de gente diferente e tem tido uma resposta boa.
ZQN: Como o Hurtmold se formou?
MT: O Hurtmold se formou em 98, basicamente, por amizade. A gente se conhecia há algum tempo de outras bandas e resolvemos tocar juntos pra ver se sairia algo. Daí pra cá lançamos duas fitas cassetes e quatro cd's. Tocamos por várias cidades do nordeste e sudeste e fizemos uma turnê na Europa no ano passado.
ZQN: Quais as diferenças do underground brasileiro para o de outros países?
MT: É diferente no sentido de realidade, estrutura mesmo. São meio que as mesmas diferenças que você pode notar entre os países em geral. Acho que a produção artística independente é um reflexo bem direto da realidade em que se vive.
ZQN: Quais as maiores dificuldades enfrentadas pelos músicos independentes?
MT: Acho que a maior dificuldade é saber se colocar no seu devido lugar e contexto. Não adianta querer fazer coisas que não fazem parte da sua realidade ou esperar demais das pessoas e da "cena". Faça o que você tem que fazer e o faça direito que já está ótimo.
ZQN: Quais as grandes diferenças entre o independente e o mainstream?
MT: Não sei dizer bem. Acho que é um pouco o que eu já falei antes. Num esquema maior, tem muita gente com muita expectativa em cima de você, mais dinheiro é investido e espera-se um retorno maior. Mas tem muita gente que trabalha de forma independente, mas com as mesmas manias e limitações do mainstream.
ZQN: Onde está a música brasileira de boa qualidade?
MT:Está em todo lugar. No rap, no samba, na música clássica, no boteco, nas galerias de arte, na rua, na casa de quem a faz... Tem muita coisa boa. É só encontrar.
ZQN: Esse espaço é seu. Deixe seu recado.
MT: Valeu o interesse. Mais informações nos sites www.mtakara.com e www.myspace.com/mtakara . Apareçam nos shows, escutem os discos. Não anule o voto. Beijos.

ZINE QUA NON #5


ENTREVISTA #4

João Alexandre Peschanski tem 26 anos, é formado em Jornalismo pela PUC-SP e em Ciências Sociais pela USP. Atualmente, faz mestrado em Ciência Política, também na USP. Foi trainee da Folha de S. Paulo em 2001-2002, mas agora é editor do jornal Brasil de Fato. Antes era repórter, um dos responsáveis pela cobertura internacional e, como tal, foi enviado especial aos Estados Unidos, no momento da 8a Reunião Ministerial da Alca em Miami, em 2003; à Palestina, para cobrir a ofensiva a Gaza, em 2004; ao Haiti, um ano após o seqüestro de Jean-Bertrand Aristide, em 2005; e à França, quando das manifestações contra o Contrato de Primeiro Emprego (CPE), em 2006. Também foi correspondente em Cuba, em 2004. Além da experiência no Brasil de Fato, colabora com outros meios alternativos - Caros Amigos, L´Humanité (França), Jiribilla (Cuba) - e editoras - Expressão Popular e Boitempo.
Por seu contato diário e intenso com a política, resolvi entrevistá-lo e saber um pouco mais sobre as Eleições 2006.
Aproveitem!
* por Paula Cabral Gomes *

Zine Qua Non: A cobertura feita por jornais menores ou jornais e revistas alternativos pode ser feita de forma melhor, ou seja, mostrando realmente o que acontece? Ou a probabilidade destes serem parciais prejudica a cobertura?
João Peschanski: Todos os jornais são parciais. A Folha de S. Paulo publicou há algumas semanas um texto de seu dono, Otávio Frias Filho, dizendo que uma eventual vitória do Lula no primeiro turno seria uma derrota da democracia, pois impediria o aprofundamento do debate no segundo turno. A posição está longe de ser neutra. As publicações alternativas têm um grande trunfo para a cobertura política: geralmente não estão atreladas a grandes interesses econômicos e políticos. Têm maior fluidez para descrever o que outras não apontariam por terem rabo preso. Ou seja, não estão do lado da hegemonia cultural. Ousam e criam, extrapolando as barreiras do politicamente correto e do politicamente construído. Repensar o político é um exercício de democracia.

ZQN: O efeito do horário político sobre os eleitores vem diminuindo com o passar dos anos?
JP: Os programas eleitorais, pasteurizados, são o reflexo do que ocorre com a competição eleitoral. Não há programa ou debate de fundo, mas espetáculo. O eleitor não é ignorante, como muitos analistas políticos acreditam. Pelo contrário, faz um cálculo fino sobre as opções que lhe são apresentadas. Votos no Vargas ou no Lula não são resultado da incompreensão política da população, são o cálculo do menor risco. Programas eleitorais só têm razão de ser se houver debate programático. Nenhum candidato - em todos os níveis - se propõe a isso.

ZQN: Você acredita que é melhor mostrar de uma vez qual é a posição política do jornal ou acredita que é possível ser imparcial?
JP: Não acredito na imparcialidade. Mas acredito no bom jornalismo, feito de modo honesto. Este não é nem coletânea de fatos e dados, nem panfleto. O bom jornalismo é aquele que consegue combinar apuração, reportagem e análise. Dito isso, há diversas formas de se fazer isso. No campo dos meios alternativos de comunicação, tenta-se recuperar os ensinamentos de Paulo Freire, pensando um jornalismo do oprimido, assim como ele criou uma pedagogia do oprimido. Cito alguns princípios: valorizar a cultura popular, procurar o diálogo... A idéia é que as pessoas que são ouvidas por comunicadores não sejam meramente depósitos de informação, de onde se extrai o que é necessário para a matéria, mas co-produtores do texto. Há experiências realizadas até mesmo com pessoas analfabetas, que narram suas experiências de opressão, como uma faxineira da Poli/USP que era analfabeta ou um ex-presidiário do Carandiru.

ZQN: Como você explica o fato de o governo Lula ter passado por inúmeras acusações nesses últimos quatro anos e ter tantos votos que permitem que ele ganhe no primeiro turno?
JP: Inicialmente, a estabilidade da economia, por mais nefasta que seja seu impacto a médio e longo prazo, é vista como um trunfo. As políticas compensatórias garantiram, talvez não pelo modo mais correto, garantiram uma base convicta no Lula. Os três principais elementos são outros: a habilidade política do presidente em desvencilhar-se dos escândalos que carcomeram seu partido, o acúmulo carismático que mantém e a falta de propostas alternativas, tanto no escopo da direita (o Picolé de Chuchu) quanto no da esquerda. O eleitorado, inteligente, sabe que, se é para manter tudo como está, melhor colocar aquele que já está e que, ainda por cima, faz algumas políticas de migalha. Dito isso, noto que o governo Lula é sensivelmente melhor do que o do FHC em várias áreas. O que não quer dizer que não tenha sido um mandato decepcionante e ambíguo.

ZQN: Eu sei que o voto é secreto, mas quais são seus candidatos?
JP: Não faço parte do eleitorado inteligente que já definiu seu voto. Admito que a conjuntura é difícil. Convicto, voto em Eduardo Suplicy (PT) para senador e Ivan Valente (PSOL) para deputado federal.

ZQN: Você acha que o Lula um dia conseguirá colocar em andamento uma lei que "proíbe" o monopólio da mídia como alguns países da Europa já possuem?
JP: Lula não tem condições políticas para fazer isso. O termo "condições" é a soma de dois elementos: vontade e correlação de forças positiva. Em seu programa, definido na Carta ao Povo Brasileiro, ele não aponta para a democratização dos meios de comunicação. Não está sendo eleito por essa bandeira. A experiência que temos do mandato que se encerra é oposta: criminalização e abandono dos meios alternativos, além de grandes favores publicitários e mercadológicos às grandes corporações mediáticas. A correlação de forças negativa é reflexo do ainda incipiente movimento em prol da democratização dos meios de comunicação. O debate não é feito em profundidade, apesar de algumas quixotescas iniciativas. Em outras áreas, além da comunicação, vemos a mesma coisa, seja na ecologia, feminismo, anti-racismo etc.

ZQN: Que tipo de candidato você acha que agradaria a população e faria com que o Lula não fosse reeleito?
JP: Difícil prever que o Lula não seria reeleito, pois ele está com a máquina estatal de seu lado. No entanto, no cenário brasileiro, faltam candidatos programáticos, faltam partidos programáticos. Vota-se na pessoa, não no projeto político. O voto no Lula, a meu ver, é político, porque reflete uma vontade do povo em manter um governante de sua escolha, mas é despolitizado, pois vota por total falta de alternativa.

ZQN: Heloísa Helena com toda sua garra exposta e um projeto de governo que promete fazer inúmeras mudanças no país teria chances de vencer caso o Lula não estivesse na disputa?
JP: Heloísa Helena, apesar de ser uma guerreira, não galvaniza o eleitorado. Tem carisma, mas não tem um projeto político consistente por trás. O que não quer dizer que nunca venha a ter. O PT nasceu como resultado de um movimento de massa extraordinário, fora do comum, que derrubou bloqueios culturais e políticos. Renovou o político. O PSOL nasce em outra conjuntura, preso a muitas individualidades, um partido de back-up.

ZQN: O que pode explicar a grande porcentagem da candidata PSOLista em sua primeira candidatura a presidência?
JP: Lula sempre teve uma parcela fixa de eleitorado de esquerda, aqueles constantes 25% a 30%. Parte desse eleitorado está claramente insatisfeito com os rumos do governo, vota nas melhores alternativas que encontra à esquerda: Heloísa Helena ou nulo.

ZQN: Caso Serra fosse o candidato tucano, Lula cairia nas pesquisas?
JP: Não se trata de personalidades. Trata-se de projeto. Apesar de ter mais carisma do que o Picolé de Chuchu, Serra não traz alternativa ao que Lula implementa. Pelo contrário, estão quase em consenso, excetuando alguns aspectos, como privatizações (carro-chefe da política do PSDB). Na miséria da política, o eleitorado vota no menos pior. A reeleição do Lula não será eufórica, será um voto resignado.

ZQN: A que se deve a grande aceitação do governo, mas não a do presidente?
JP: Lula traiu engajamentos históricos. Tinha como ser o presidente da mudança. Adotou o pragmatismo e fez política de resultado. O eleitorado reconhece alguns avanços, principalmente as políticas compensatórias.

ZQN: O que você espera das eleições de 2010?
JP: Que a esquerda, os movimentos populares comprometidos com a mudança do país, consigamos fortalecer um projeto político, que reúna e convença a população.

ZQN: Do governo Lula, o que pode ser visto como bom?
JP: A pergunta deveria ser: o que pode ser visto como menos pior do que seus antecessores? Talvez o tímido freio às negociações da Área de Livre Comércio das Américas, o não-isolamento de Hugo Chávez, alguns outros aspectos da política externa. Ressalto que esta foi desastrosa em outras frentes, como a ação do governo na Organização Mundial do Comércio (OMC), traindo parceiros do Terceiro Mundo, e a ocupação do Haiti. Na questão interna, as políticas compensatórias, mesmo que insuficientes.

ZQN: O que você acha dos programas de assistência social feitos pelo governo, como Bolsa Família, ProUni etc.?
JP: É preciso diferenciar o Bolsa Família e o ProUni. O primeiro pode ser defendido como uma política emergencial, até mesmo porque a população miserável é enorme. Sem projeto de nação por trás, o Bolsa Família acaba sendo uma perfumaria diante dos lucros dos bancos e enriquecimento dos mais ricos. Mas é defensável. O ProUni é a adoção de um projeto de direita: atestar a incapacidade de investir em educação pública de qualidade e delegar à iniciativa privada. Obviamente, precisamos mudar o acesso às universidades, mas com outra estratégia.

ZQN: Como o voto nulo pode ser útil caso queiramos mostrar insatisfação com relação aos candidatos aos cargos políticos?
JP: O voto nulo é legítimo. Caracteriza a revolta do eleitorado diante da irrelevância política, a despolitização, desse pleito.

ZQN: Como os jovens podem mudar a situação da sociedade brasileira?
JP: A indignação juvenil pode alimentar as lutas por transformação social e revitalizar os movimentos sociais, que estão em descenso. Falta criatividade na política, sobra criatividade na juventude.

ZQN: Mais mídias alternativas ajudariam a fortalecer a democracia?
JP: A democracia só se fortalece se o povo estiver ativamente participando da política. Se a mídia alternativa conseguir criar as pontes com a população, haverá um processo de transformação, inevitável. Exemplo disso é o que ocorreu no Equador, quando a população derrubou um governo autoritário, articulando-se por meio de uma rádio comunitária, a Radio Luna. Chegavam aos microfones da estação e diziam o que queriam, sem poupar palavrões. Isso foi crescendo, gerando manifestações, levando a uma vitória substancial. No Brasil, nas faculdades de comunicação, estamos presos à ditadura do lide. É preciso estimular a criação jornalística.

ZQN: Este espaço é todo seu. Deixe seu recado.
JP: Comunicação não é um molde a priori. O Manual de Redação do Estado de S. Paulo ou o tipo de jornalismo da Veja não são a verdade. São uma técnica para interpretar os fatos. Há um leque incomensurável de alternativas. O bom jornalista não é o burocrata da comunicação, mesmo que isso lhe garanta um bom salário por um tempo, mas aquele que ousa, que cria, que pensa. Saudações aos que não temem arriscar-se.

ZINE QUA NON #4


ENTREVISTA #3

José Salvador Faro é graduado em História pela USP, mestre em Comunicação pela Universidade Metodista de São Paulo (UMESP) e doutor em Jornalismo pela ECA/USP. Atualmente, é docente do programa de pós-graduação em Comunicação da UMESP e professor dos cursos de graduação em Jornalismo na PUC-SP (Pontifícia Universidade Católica de São Paulo) e também na Metodista. Além disso, é consultor do INEP, da CAPES e da FAPESP.Devido a sua formação e contato direto com as mudanças que o ensino brasileiro vem sofrendo, resolvi entrevistar o professor J. S. Faro para tirar algumas dúvidas sobre a temida e esperada reforma universitária.

* por Paula Cabral Gomes *

Zine Qua Non: O que levou à decadência crítica do ensino superior do Brasil?
J.S. Faro: Primeiro, penso que há uma causa estrutural: nossas elites abandonaram o projeto de uma Universidade voltada para o desenvolvimento científico e tecnológico do país. No quadro geral de perda de soberania do Estado brasileiro, uma das principais conseqüências foi o descaso pelo ensino e pela pesquisa produzidos pela Universidade pública. Segundo, há uma causa de natureza conjuntural: nosso processo de modernização econômica dependente e reflexa produziu uma universidade privada de resultados, voltada para o imediatismo do mercado, para o adestramento exigido pelo mercado. A convergência dessas duas causas produziu uma universidade alienada de seus compromissos com a sociedade brasileira, ainda que restem alguns centros de excelência onde é possível identificar vigor intelectual, mas isso se transformou num quisto, um pequeno enclave no quadro geral de mediocridade que impera no setor.

ZQN: Quais as piores conseqüências de um ensino mercantilizado?
JSF: As piores conseqüências podem ser resumidas na formação de gerações inteiras de universitários desprovidas de senso reflexivo e experimental. Nós estamos construindo um imenso vazio intelectual, ainda que "todos" possam se orgulhar de possuir algum "diploma" universitário. A titulação graduada no Brasil é instrumento de arrivismo social e não de desenvolvimento efetivo de competências.

ZQN: Qual a grande importância de vincular o ensino e a pesquisa? O que isso traz de bom para um país que deseja projetar seu futuro com consistência e seriedade?
JSF: As funções da Universidade são basicamente duas: reflexão e experimentação. O ensino e a pesquisa são indissociáveis dessas duas funções. Ora, sem isso não se olha o futuro, não há desafios em nenhuma das áreas do conhecimento. Um país com as características do Brasil precisaria zelar por esse capital que pode ser construído pela Universidade porque ela dá sustentabilidade ao desenvolvimento.

ZQN: Os jovens também têm culpa no processo de destruição do ensino superior de qualidade por buscarem apenas um diploma e não formar uma carreira com base no conhecimento?
JSF: Penso que não têm culpa alguma. Crescem e são educados com essa perspectiva arrivista do ensino superior. Não há padrão moderno na sociedade brasileira que não tenha esse substrato ideológico como forma de propaganda.

ZQN: O governo incentiva o ensino mercantil sendo que este não cobra impostos ou os reduz das universidades que dão bolsa para alguns alunos?
JSF: O governo não incentiva o ensino mercantil, pelo menos não este governo da forma como o anterior fazia. O problema é que o ensino privado transformou-se no Brasil num poderoso complexo econômico que atua com extraordinária desenvoltura no centro do poder. São lobbies que desarticulam o papel regulador do Estado e investem no poder de pressão parlamentar, midiático e cultural que acabaram formando nas últimas décadas. Quando o Estado pensa em ampliar as possibilidades de acesso dos jovens à universidade, a única (ou quase única) alternativa que tem é a renúncia fiscal como moeda de troca. O ProUni é exemplo disso: um programa que estimula mais ainda o setor privado e reduz ainda mais a responsabilidade do Estado com a educação superior. De qualquer forma, é preciso fazer uma ressalva importante. Não é todo o ensino privado que age dessa forma. Há instituições de caráter comunitário ou confessional que são comprometidas com uma universidade de qualidade, como é o caso da Metodista, mas eu temo que elas acabem perdendo essas características em função da concorrência predatória que se estabeleceu nessa área. A PUC-SP é um bom exemplo de uma instituição que tem sido obrigada a mudar seu projeto em função dessa contingência.

ZQN: Disciplinando o ensino superior privado, ou seja, verificar a qualidade do ensino, a pesquisa científica e as condições de trabalho de seus professores, a reforma universitária que atinge o país e, principalmente, a população jovem sentiria um impacto menor ou o estrago manteria suas proporções?
JSF: Certamente. Mas, como eu disse na questão anterior, esse poder regulador é limitado pelo poder do segmento do setor privado. Acompanhe o que vai acontecer com o projeto da reforma universitária no Congresso e você terá uma idéia do poder desarticulador e desorganizador dos interesses privados.

ZQN: Qual é a verdadeira reforma universitária que deverá ser feita?
JSF: O ponto de partida é resgatar o papel do Estado como ente normativo do ensino superior. Além disso, é preciso rediscutir o conceito de autonomia universitária, recuperá-lo como uma prática de natureza acadêmica e não administrativa e financeira, como querem as empresas de educação superior. O ante-projeto de reforma, inicialmente formulado pelo então ministro Tarso Genro, previa isso, mas bastou que ele fosse divulgado para que uma campanha de desmontagem do texto que seria enviado ao Congresso tivesse início de uma forma inédita no país inteiro. A versão atual já mostra concessões feitas pelo MEC que desfiguram a proposta inicial. A verdadeira reforma universitária, portanto, tem que procurar recuperar essas idéias originais.

ZQN: Como fazer com que as faculdades privadas e a população entendam que a Universidade, qualquer que seja seu perfil administrativo ou seu regime jurídico, é pública pela natureza de suas atividades e é o Estado que deve zelar para que isso seja obedecido rigorosamente?
JSF: Pergunta difícil. Talvez intensificando o rigor das avaliações e o rigor nas punições para aquelas empresas que não cumprem com seu compromisso social. É preciso expor à opinião pública a verdade sobre o ensino superior privado, separar, mesmo nesse segmento, o joio do trigo.

ZQN: Quais são os riscos do Programa Universidade Para Todos (ProUni)?
JSF: Os riscos são de natureza estrutural porque, como eu disse, o ProUni, reforça um determinado modelo de Universidade. Eu não tenho dúvidas dos benefícios que ele traz a curto prazo para os estudantes carentes, o que eu temo são os efeitos a longo prazo que um programa dessa natureza pode trazer para a instituição universitária.

ZQN: O que o senhor acha das cotas que algumas universidades estão adotando?
JSF: Ainda não tenho uma opinião plenamente formada sobre isso, mas até agora, de tudo quanto leio na imprensa sobre o assunto, a proposta mais inteligente me parece ser a da USP porque parece ser a que mais preserva a questão do mérito. Mas essa ainda é uma opinião muito incipiente. Você terá que me entrevistar outra vez até que eu forme algum tipo de convicção sobre o que vem sendo proposto.

ZQN: A estatização das instituições privadas seria uma boa solução?
JSF: Acho que não. Deve existir espaço para as instituições privadas de qualidade, da mesma forma como penso que não deve existir espaço para instituições públicas sem qualidade.

ZQN: Como anda a luta do Sindicato dos Professores de São Paulo com relação à reforma universitária?
JSF: O Sindicato estudou com muito cuidado todas as características do ante-projeto do governo e das sucessivas modificações que ele sofreu. A preocupação esteve naturalmente voltada para os mecanismos de controle que impeçam que a atividade profissional do professor continue sofrendo os efeitos dos interesses mercantis na educação: baixos salários, inexistência de condições de trabalho, número excessivo de alunos em sala de aula, a preponderância dos mecanismos de natureza administrativa sobre aqueles de perfil didático-pedagógico e científico. Como o sindicato representa os professores das instituições particulares, foi sob essa perspectiva que avaliamos a proposta do governo. Enviamos ao MEC um conjunto de sugestões que visavam aperfeiçoar o projeto e agora estamos acompanhando sua tramitação no Congresso. Pretendemos participar das audiências públicas que serão realizadas e também pressionar parlamentares não comprometidos com o lobby das empresas de educação para que não aprovem emendas que descaracterizem ainda mais a essência do projeto.

ZQN: Uma das faculdades que mais sente a decadência do ensino superior e a mercantilização do ensino é a PUC, que neste ano despediu centenas de professores e funcionários com a desculpa de que dívidas seriam quitadas com esta ação. Qual será o provável futuro desta instituição?
JSF: A PUC não está mercantilizando seu ensino, segundo entendo. Ela vive ainda sob o peso da herança que construiu, isto é, uma universidade com elevado nível de produção científica e com um projeto pedagógico de natureza reflexiva de forte densidade. Não é simples mudar isso de uma hora para outra, até porque há uma legitimação pública dessas características que é responsável pelo perfil de muitos estudantes que procuram nossos cursos. A dúvida é saber até quando essas características serão capazes de resistir à implantação de um modelo gerencial que vai na contra-mão desse projeto universitário. Como é possível manter essas tradições da PUC com um corpo docente instável e mal remunerado? Ou com baixos investimentos em estruturas laboratoriais, por exemplo? Meu receio é o de que essa concepção contábil da universidade católica acabe se sobrepondo aos valores acadêmicos, fato que já é percebido em algumas áreas. Dou o exemplo da reforma curricular do curso de jornalismo que tem sido obstaculizada por objeções de natureza financeira, quando é notório que a estrutura do curso não acompanha mais as demandas da profissão. Se isso ocorrer, temo que a PUC se torne uma instituição descaracterizada em relação às suas origens.

ZQN: Esse espaço é do senhor. Pode deixar o seu recado se quiser.
JSF: Vou repetir aqui o que disse numa assembléia realizada pelos alunos no início do ano, quando eram fortes os protestos contra a demissão de professores: a universidade não pode ser tomada por um sentimento de resignação, como se essas mudanças fossem inevitáveis e naturalizadas, isto é, elas são o único caminho. Se esse sentimento prevalecer o futuro desta universidade da própria universidade brasileira é o pior possível.

ZINE QUA NON #3


ENTREVISTA #2

Lucas Monteiro, conhecido como Legume, é membro do Movimento Passe Livre de São Paulo (MPL-SP).
Assim como muitos estudantes universitários que têm a noção da gravidade do problema do transporte público e outros que causam inúmeros prejuízos ao povo brasileiro, Legume arranjou sua forma de se expressar e lutar por alguma melhoria. Através da união dos que militam pela mesma causa, a esperança de obter o passe livre estudantil dificilmente morre.
Entenda um pouco a história e as metas de um grupo de pessoas de oito estados do Brasil que buscam um serviço justo e de qualidade para todoos.

*por Paula Cabral Gomes*

Zine Qua Non: Como e quando o Movimento Passe Livre (MPL) surgiu no país e em São Paulo?
Lucas Legume: O MPL surgiu formalmente no Fórum Social Mundial de 2005, onde aconteceu a plenária nacional na qual foram trocadas experiências entre cidades que lutavam pelo passe livre e foi elaborada uma carta de princípios. Muitos dos grupos presentes em Porto Alegre já estavam em contato e tinham se reunido no ano anterior no Primeiro Encontro Nacional do Passe Livre, em julho de 2004, em Florianópolis. Os princípios elaborados nesta plenária surgiram da experiência prática da revolta do Busu, em 2003, e da revolta da catraca, em 2004. São Paulo já tinha um Comitê de Luta pelo Passe Livre, que atuava, principalmente, na zona Noroeste. Este comitê participou da plenária nacional em Porto Alegre e aprovou os princípios na primeira reunião após o FSM.

ZQN: Com quais metas começou o movimento?
LL: O MPL tem como objetivo inicial a conquista do passe livre para estudantes. Esta não tem um fim em si mesma, mas se encaixa em uma luta por um transporte coletivo em benefício da população e fora da lógica de mercado pela qual é gerido. Esta concepção de lutar por um transporte realmente público surge da conjuntura em que se criou o movimento, dentro de manifestações pela redução de tarifas, lutando contra o aumento do lucro empresarial.
ZQN: Quantas cidades (e estados) fazem parte desse movimento?
LL: Atualmente temos 13 cidades que participam nacionalmente do MPL em 8 estados, além de diversas outras cidades que estão se organizando para integrar oficialmente e ativamente o MPL.

ZQN: Quais são os projetos principais para este ano?
LL: Aqui em São Paulo estamos em uma luta contra o novo plano de transportes que a prefeitura esta implementando. Este plano surgiu em resposta a reclamações de empresários e tenta adequar ainda mais o serviço de ônibus à busca do lucro, por meio da redução de custos através do que chamam de "otimização das linhas". Isto significa menos ônibus circulando e maior lotação. Nacionalmente estamos organizando o terceiro Encontro Nacional que pretende consolidar nacionalmente o movimento, trocando experiências, pensando em estratégias para implementação do passe livre.

ZQN: De qual forma vocês pretendem atingir as principais pessoas envolvidas com o transporte público, como os passageiros, os motoristas, os cobradores, os empresários?
LL: A forma de abordar cada um destes setores é muito diferente. Para os passageiros costumamos fazer ações de divulgação, como "pular catraca", panfletagens e, recentemente, uma fanfarra de rua na Lapa. Para cobradores e motoristas, costumamos preparar panfletos específicos, que explicam como funcionaria o passe livre (sem redução de salários). Os trabalhadores são aliados na medida em que achamos que eles devem participar da gestão do transporte público, mas o diálogo é muito difícil, especialmente em cidades com São Paulo nas quais o sindicato defende o interesse dos patrões. Os empresários... Bem, queremos atingi-los de uma forma bem direta, que eles deixem de existir.

ZQN: Onde o movimento já obteve resultados satisfatórios?
LL: O movimento participou das revoltas da Catraca de 2004 e 2005, que barraram dois aumentos de tarifa em Florianópolis, onde também foi aprovada a lei que instauraria o Passe Livre, porém, por articulações políticas, o Superior Tribunal de Justiça de Santa Catarina declarou a lei inconstitucional. Em Curitiba, o movimento conseguiu a aprovação do Passe Livre na pré-conferência da cidade e também conseguiu barrar projetos de lei que permitiriam um controle maior das meias passagens.

ZQN: Como foram as Revoltas da Catraca e a Revolta do Busu? Resultados satisfatórios foram alcançados?
LL: Esta pergunta poderia, sem dúvida alguma, ser uma tese de Doutorado. Eu vou tentar ser bem sucinto. A Revolta do Busu, em Salvador, em 2003, ocorreu devido ao segundo aumento tarifário em menos de um ano. A mobilização começou em diversos colégios, de forma aparentemente espontânea. Todos ficaram surpresos com o tamanho que as manifestações tomaram. Ocorre que não havia um movimento anterior constituído em Salvador, e os dirigentes de entidades estudantis se aproveitaram da situação para se auto-projetar. As negociações que eles fizeram com a prefeitura iam contra a principal reivindicação do movimento, que era a redução de tarifas, apesar de garantir algumas das "bandeiras históricas" do movimento estudantil. Esta experiência de aparelhamento serviu de base para o MPL se afirmar apartidário, horizontal, autônomo e independente. Já a Revolta da Catraca, em Florianópolis, em 2004, foi precidida de uma grande campanha pelo passe livre que começou em 2000 e portanto de uma discussão sobre o transporte. A existência de um movimento organizado e a experiência de Salvador impediu práticas aparelhistas de entidades e partidos. Desta vez, o aumento foi barrado. Em 2005, a dose foi repetida e novamente a população saiu a rua e impediu o aumento. Em conseqüência das duas revoltas, foi aberta uma CPI dos Transportes e começou a ser discutida a implementação de uma tarifa única e a estatização da Cotisa (empresa que administra os terminais).

ZQN: Utilizando-se de quais meios o movimento pretende conseguir o passe livre?
LL: Nosso principal meio é a mobilização. É só através dela que conseguiremos qualquer avanço na luta pelo passe livre. Temos claro que, em conjunto com isto, precisamos estudar e compreender como se estrutura o transporte coletivo, para então elaborar um projeto de passe livre a ser aprovado na Câmara dos Vereadores, já que, infelizmente, ainda vivemos em um sistema representativo. É importante lembrar que a luta não se resume à conquista do passe livre, amplia-se para uma concepção de transporte público em benefício da população, que seja fora da iniciativa privada. E isto, só através de muita luta, conseguiremos.

ZQN: Percebendo um grande interesse de políticos e de outros grupos em querer tomar essa causa, como vocês lidam com isso?
LL: Isto é um problema que ocorre com qualquer movimento que ganha maior projeção. O MPL nasceu já se opondo a tentativas de aparelhamento, afirmando outra lógica de ação política. O que tem acontecido atualmente é que as entidades resolveram assumir a bandeira do passe livre, porém estas não têm trabalho em escolas e se interessam mais em filiar pessoas (como pode ser observado no site da UJS) do que em conquistar o passe livre ou discutir o transporte público. A resposta do movimento a isto é a reafirmação de seus princípios e a continuidade do trabalho em escolas.

ZQN: Qual é a intensidade da ligação do MPL com o MST?
LL: Em alguns lugares, como no DF (Distrito Federal), foram organizados atos conjuntos contra o aumento de passagens e existe um contato constante. Temos tentado estreitar relações nacionalmente, tanto que nosso Terceiro Encontro Nacional será na escola Florestan Fernandes.

ZQN: A aceitação do movimento pela sociedade é grande? Ou apenas jovens entram em contato com vocês?
LL: De uma maneira geral, a sociedade considera a nossa luta justa. Todos acham o transporte ruim, caro, superlotado. Porém as pessoas que se dispõem a participar de manifestações, a fazer trabalho em escolas, são jovens. Boa parte das pessoas nos questiona de onde sairia o dinheiro, se a passagem aumentaria, então, explicamos que a destinação do dinheiro é uma opção política, que o transporte não pode ser encarado como uma mercadoria e, geralmente, a pessoa se convence.

ZQN: Por quais atividades financeiras vocês mantêm o movimento?
LL: Nós temos três campos de arrecadação de dinheiro: a venda de materiais (bottons, camisetas, livros, jornais), as festas (geralmente, cervejadas em universidades) e as doações (pessoais, centros acadêmicos, sindicatos).

ZQN: Como vocês pretendem chamar atenção da mídia para a causa?
LL: Em todas as manifestações que organizamos enviamos releases para a imprensa e entramos em contato com alguns jornalistas, além disto, nos preocupamos em produzir nossos próprios relatos em meios como o Centro de Mídia Independente (CMI).

ZQN: Como você conheceu o MPL?
LL: Eu conheci através do CMI. Era, e ainda sou, voluntário do coletivo São Paulo e comecei a acompanhar primeiro pelas notícias do site, depois comecei a freqüentar reuniões, participei da plenária em Porto Alegre e resolvi me dedicar mais ao movimento.

ZQN: Por que você resolveu fazer parte do movimento?
LL: Porque considero o transporte coletivo um fator fundamental na vida urbana. A forma de organização do MPL, horizontal, autônoma, com respeito à diversidade, é algo que me atrai muito. Afinal, acredito que, para construir uma nova sociedade, precisamos começar a construí-la e aplicar nossos princípios em nossas práticas e mobilizações cotidianas, acredito que o MPL consiga isto.

ZQN: Você acha que realmente conseguirão obter o passe livre em São Paulo? Por quê?
LL: Sem dúvida é um processo árduo, São Paulo é uma cidade de 15 milhões de habitantes, precisamos mobilizar muita gente para conseguir o passe livre. Até agora, temos conseguido ampliar o debate a cerca do assunto, fomentamos a discussão sobre transporte público na cidade, envolvemos mais escolas na luta, estamos caminhando na direção certa, mas não posso afirmar que certamente obteremos o passe livre.

ZQN: No momento, há pessoas aderindo ao MPL ou está saindo bastante gente?
LL: O MPL é um movimento em crescente expansão. No ano de 2005, em São Paulo, nós mais que dobramos o número de envolvidos. No Brasil, cada vez mais cidades começam a se manifestar, a realizar atos, a aderir ao MPL, já chegamos até o Acre.

ZQN: Como obter mais informações sobre o MPL?
LL: Existem dois sites bons para obter informações sobre o MPL: o site oficial do movimento (www.mpl.org.br), onde estão nossos princípios, as cidades integrantes, etc; e o site do CMI (www.midiaindependente.org), que conta com informações atualizadas sobre manifestações pelo passe livre no Brasil inteiro.

ZINE QUA NON #2


ENTREVISTA #1

· Estudante de filosofia na Universidade de São Paulo;
· Diretor de Políticas Educacionais da União Nacional dos Estudantes pelo campo CONTRAPONTO (campo nacional do movimento estudantil, oposição à direção majoritária na UNE);
· Militante da A.P.S. (Ação Popular Socialista), corrente política autônoma organizada nacionalmente.
Este é Antônio David, primeiro entrevistado do Zine Qua Non com muito prazer e carinho.
Correndo atrás de informações sobre o Movimento Estudantil, encontrei Antônio que se ofereceu para me ajudar e acabou sendo pego de surpresa por algumas perguntinhas para o número um do ZQN.
E aqui está o resultado!

*por Paula Cabral Gomes*

Zine Qua Non: Muitas pessoas se perguntam: "O Movimento Estudantil ainda existe?". Onde podemos ver sua atuação e quais são os resultados desta?
Antônio David: Sim. O movimento estudantil nunca deixou de existir. O que pode haver são refluxos. Acredito que as décadas de 80 e 90, exceto talvez no segundo mandato de FHC, foram anos de forte refluxo, o que se intensificou com a ascensão de Lula à presidência da república. No geral, o ME acompanhou o refluxo e a paralisia dos movimentos sociais, em parte perplexos com as políticas do novo Governo, em parte atrelados a ele. Mas mesmo nestes períodos a atuação do ME no âmbito local - ou seja, das lutas reivindicatórias nas universidades - nunca deixou de existir. Os resultados são pontuais - contratação de professores, ampliação de verbas para a assistência estudantil etc. A grande novidade é que, na década de 90, houve um boom de faculdades particulares, fora dos grandes centros urbanos, o que acabou abrindo um processo ainda em aberto de ampliação e diversificação do movimento. No fundo, a disputa travada hoje no interior do movimento gira em torno do modo como essa ampliação e diversificação vai se dar, e quem irá hegemonizá-la.
ZQN: A presença de estudantes em passeatas e em outras formas para manifestar suas vontades é reduzida, mas mesmo assim você vê algum aumento na busca por essas uniões?As expectativas de que haja uma maior procura por manifestações em defesa de seus interesses devido à situação política de hoje são grandes?
AD: A rotatividade do movimento é muito grande e intensa. O estudante passa em média 5 ou 6 anos na universidade. Os ativistas do movimento, idem. É difícil, para mim, dizer se tem havido aumento ou redução do interesse, digamos assim, pelo movimento. De qualquer forma, a impressão geral que tenho é de que a ascensão de Lula, mais do que paralisar o movimento, acabou concorrendo para uma maior acomodação social e conseqüente despolitização. A tendência, após o refluxo, é haver um certo ascenso no próximo período. Mas é difícil medir a intensidade e amplitude disso.
ZQN: Se o Movimento Estudantil fosse maior, você acha que os estudantes conseguiriam de forma mais "fácil" obter resultados a seu favor nos governos?
AD: Em sintonia com a resposta anterior, penso que entramos na década de 90 num período marcado pela ampliação e pela diversificação do movimento, processo esse que se iniciou e ainda não se concluiu, ou seja, a rede do movimento ainda não se consolidou e está longe de se consolidar. Mas acredito que esse processo de ampliação/ diversificação é um fato político dado, ou seja, vai acontecer. Dito isso, penso que a ampliação do movimento é sim uma das condições objetivas para que o movimento atinja seus objetivos, mas não é a única. Ela precisa vir acompanhada de um padrão de militância. É perfeitamente possível que o movimento se amplie e, ao ampliar-se, ganhe feições políticas pouco ou nada combativas em nome de uma concepção de movimento orientada pela negociação pacífica com o capital, ou pela minimização de perdas. Tudo depende, portanto, do modo como se dará essa ampliação. Portanto, respondendo à pergunta, depende.
ZQN: Você acha que há um falso Movimento Estudantil, por exemplo, nas faculdades pagas, pois talvez os alunos destas não sintam a verdadeira dificuldade que é conseguir concluir o ensino superior no Brasil?
AD: Não diria "falso", porque se existe o "falso" deve necessariamente existir o "verdadeiro". Acho que fazer o debate nestes termos é maniqueismo. Eu diria, sim, que há uma tendência de que, nestes locais, se forje um padrão de militância local diferente da militância "tradicional" das grandes universidades públicas que ficam nos centros urbanos. Pelas dificuldades objetivas impostas a quem estuda nestes locais, pela cultura política padrão da sociedade brasileira, enfim, por uma série de motivos, a tendência é que, a partir das experiências políticas destes locais, o movimento se diversifique - ou seja, que a representação social do que é movimento estudantil para essa base social envolva, para além das manifestações e das lutas, também iniciativas culturais, esportivas etc. - e que absorva a idéia de que a luta visa não à ampliação de direitos, podendo inclusive ter um horizonte mais global, uma matiz socialista etc., mas sim a minimização de perdas a partir da negociação pacífica. Mas isso não está dado. Há uma disputa aí. Essa tendência pode se reverter.
ZQN: Quando você começou a se interessar pelo Movimento Estudantil?
AD: A partir de duas vias. A primeira, intelectual. Por influência da leitura de Florestan Fernandes, eu me interessei pela universidade, comecei a estudar a história da USP, da Faculdade de Filosofia, dos trabalhos, das pesquisas, dos grupos políticos etc. A segunda, prática. Em 2002, estourou uma greve estudantil por contratação de professores. As coisas se juntaram. Eu estava trabalhando sobre um estudo a respeito da Faculdade, da demanda por professores etc., e acabei, por conta disso, sendo o "negociador" do movimento com a Reitoria. Nessa época, eu já tinha um envolvimento com o Centro Acadêmico, com o grupo que disputava a UNE - e que veio a formar o que é hoje o Contraponto, do qual eu faço parte. Daí em diante, comecei a me envolver mais organicamente com o CA e com o DCE. Daí...
ZQN: O que é o grupo Contraponto? Quais são suas metas?
AD: O Contraponto é um campo do movimento estudantil, ou seja, é uma corrente política autônoma, voltada para o movimento estudantil universitário, organizada nacionalmente, formada no final de 2002 por estudantes de faculdades e universidades públicas e particulares, de vários Estados, que se organizaram para potencializar a sua intervenção no movimento, não só no movimento geral (UNE), mas também no âmbito local. Existem núcleos do campo nas faculdades e universidades em que atuamos - inclusive estamos formando agora o núcleo da PUC-SP. Quanto às metas do campo, eu sugeriria a você dar uma olhada no site (www.contraponto.cjb.net), em particular na tese que apresentamos ao 49º CONUNE. Tentando resumir, em linhas muito gerais: nós nos juntamos para potencializar a disputa que fazemos em prol da organização das mobilizações e das lutas estudantis e populares por mudanças na educação, na economia e na sociedade, pela ampliação de direitos e pela radicalização da democracia, matizadas pela crença no socialismo em bases democráticas.
ZQN: Onde podemos obter mais informações sobre o Contraponto?
AD: Estamos agora num processo mais intenso de debates internos sobre organização, mas os resultados vão aparecer ao longo do ano. O site está desatualizado. Para discutir com o campo, o ideal é participar das reuniões, ou no mínimo conversar conosco, pessoalmente.
ZQN: Onde a UNE atua diretamente?
AD: Em tese, nas faculdades e universidades, ou seja, na educação superior. Essa é a base social da UNE. Na prática, a UNE pouco organiza em termos de mobilização - organiza, mas pouco! O fato é que a estrutura da UNE é muito pequena, muito aquém do tamanho do movimento. São apenas 81 diretores. Como é que a UNE vai organizar uma jornada de lutas nacional assim? O ideal é que os CA's e DCE's erguessem a bandeira da UNE. Esse é o nó. A burocratização - que já foi maior - e o distanciamento histórico acabaram gerando, mais do que resistência, rejeição à entidade em centros importantes do movimento, onde há mobilização e luta mais intensa.
ZQN: Como se tornou diretor da UNE? Quais foram seus passos?
AD: Como eu já disse, eu participo do campo Contraponto. Participo do grupo desde 2003. O grupo é composto por ativistas que reconhecem e reivindicam a entidade, na condição hoje de oposição à direção majoritária. Nós nos organizamos para o 49º Congresso. Apresentamos tese, participamos de uma chapa etc. Dentre os 81 diretores, nossa chapa teve 11, das quais o Contraponto, 2. Eu e Jamile (BA) fomos indicados pelo campo, numa das Plenárias do campo que houve no próprio Congresso. Estou na diretoria cumprindo uma tarefa do campo. O mandato que eu exerço não é meu. É do grupo.
ZQN: Após a fase brasileira de luta intensa pela liberdade de expressão, você sente que esta luta permanece viva ou que hoje já não há grandes dificuldades para fazer sua opinião tornar-se pública?
AD: Tenho a impressão de que há uma situação paradoxal aqui. A luta pela liberdade de expressão permanece viva porque a sociedade brasileira é uma sociedade profundamente autoritária, machista, elitista, e os de baixo sentem a necessidade de lutas diariamente pelo direito de expressar, das formas mais variadas, sua indignação, sua rebeldia. Vejo no movimento hip hop, por exemplo, uma forma de resistência que perpassa na luta pelo direito de expressão. Ao mesmo tempo, depois da experiência terrível de uma ditadura que proibiu a existência de Partidos e que perseguiu os ativistas do PCB, do PC do B, de organizações pequenas, vejo, pelo menos no meio universitário, uma rejeição enorme aos Partidos e a organizações em geral. O direito de se organizar politicamente foi uma conquista após longos anos em que esse direito era cerceado. Hoje, a cultura política hegemônica - inclusive no interior do movimento estudantil - é de que os Partidos deveriam sumir, sair do movimento, serem chutados para fora do movimento.
ZQN: Você se espelha em alguns grandes nomes que surgiram na ditadura, nas guerras pela independência ou em outras épocas?
AD: Sim. Em muitas(os) companheiras(os). Em particular, Florestan Fernandes.
ZQN: Os alunos da USP, UNESP, UNICAMP ou de outras universidades públicas possuem uma conscientização maior ou estudar ou não numa universidade pública não influencia em nada?
AD: Eu tive a oportunidade de estudar dois anos numa faculdade particular, a ESPM. Pela experiência que eu tive, acho que o fato de estudar numa universidade pública influencia no grau de envolvimento com questões públicas e, conseqüentemente, no grau de politização do estudante. Mas isso é relativo. Numa universidade pública, existem desníveis. Uma coisa é a realidade da Faculdade de Medicina, da Faculdade de Direito, da Faculdade de Economia e Administração, da Politécnica; outra coisa é a Faculdade de Educação, a Faculdade de Filosofia. É difícil saber exatamente porque, mas o fato é que em alguns locais o grau de "conscientização" - que eu prefiro chamar de envolvimento com as questões de interesse público - é maior.
ZQN: Por que você acha que muitos jovens dizem odiar política?
AD: Sartre estudou a conduta histórica, ou seja, a percepção política, o comportamento político e a ação política à luz do contexto histórico do indivíduo. Ele dizia que a personalidade é forjada por uma tensão entre, de um lado, as determinações históricas da sociedade e da cultura e, de outro, a subjetividade individual. Creito que, ao responder a essa pergunta - ou seja, "muitos jovens dizem odiar a política porque..." -, o "porque" não pode ser reduzido nem a um nem a outro, ou seja, não posso dizer "porque eles são alienados" (pois eu estaria sendo moralista), mas também não posso dizer "porque a sociedade é assim" (pois, nesse caso, eu estaria jogando a subjetividade fora). Eu sigo a linha do Sarte. Eu diria que, diante de determinações históricas tão fortemente enraizadas, cuja hegemonia atingiu um patamar tão enraizado, tão forte, com os bombardeios de bobagens que a juventude leva todos os dias pela Televisão, com a visão de mundo que se reproduz na família, enfim, diante disso tudo, para que o jovem se interesse pela política no geral (nem sempre, mas no geral!) é preciso que a subjetividade dele entre em choque com o grosso das influências que ele recebe. Ou seja, acaba prevalecendo o desinteresse e o ceticismo porque a subjetividade da maioria dos jovens acaba se adaptando às influências sociais que eles recebem.
ZQN: O governo dá alguma abertura para os estudantes que se interessam por política? Como por exemplo: debates, palestras, etc. ?
AD: Não tem dado. Nem a sociedade/juventude tem procurado o Governo e pressionado por essa abertura. Mas eu acredito que um Governo não só possa como deva dar, e que a sociedade e a juventude devem pressionar. Vejo na Venezuela um exemplo disso.
ZQN: Você acha que se filiar a algum partido político para conseguir melhores resultados é necessário?
AD: Eu não diria "melhores resultados". Eu diria, para potencializar a intervenção política. Respondendo à pergunta, acho que pode ser necessário, mas que pode não ser. Depende da frente em que se atua. Para o sem terra, pode não ser necessário, já que ele tem o MST. Mas, veja bem, para acumular forças no interior do Estado, é preciso de um Partido Político. Trata-se de uma condição objetiva. Daí, a questão é saber se a disputa no interior do Estado acumula ou não. Eu acredito que sim, desde que acompanhada dos movimentos sociais e populares - não para aparelhar o movimento, mas para apoiar o movimento - e submetida ao Partido.
ZQN: Qual a melhor solução que você vê para a crise brasileira no momento?
AD: Encaminho para ti a minuta de proposta de resolução de conjuntura que estamos debatendo internamente e que apresentaremos na próxima reunião da UNE.
ZQN: Em quem votar em 2006?
AD: Presidente: Heloísa Helena; Governador: Plínio de Arruda Sampaio; Deputado Federal: Ivan Valente.
ZQN: O que aconteceu com a esquerda?
AD: O setor que hegemonizava as organizações de esquerda acreditou que seria preciso completar a revolução burguesa no Brasil através da negociação pacífica entre capital e trabalho. Esse erro levou a esquerda a esvaziar o potencial e a força mobilizadora dos de baixo, além de impregnar-se de uma cultura política profundamente pragmática e eleitoreira. A corrupção é um sintoma disso. Com a ascensão de Lula, a esquerda se fragmantou e se fragilizou. A tarefa agora é recompor a esquerda no Brasil.
ZQN: Quer deixar algum recado? O espaço é todo seu!
AD: "No decorrer das lutas, diante das dificuldades, as lutadoras e os lutadores devem tomar para si três lemas: não se deixar liquidar; não se deixar cooptar; e garantir vitórias para o povo." (Florestan Fernandes)