segunda-feira, janeiro 15, 2007

ENTREVISTA #4

João Alexandre Peschanski tem 26 anos, é formado em Jornalismo pela PUC-SP e em Ciências Sociais pela USP. Atualmente, faz mestrado em Ciência Política, também na USP. Foi trainee da Folha de S. Paulo em 2001-2002, mas agora é editor do jornal Brasil de Fato. Antes era repórter, um dos responsáveis pela cobertura internacional e, como tal, foi enviado especial aos Estados Unidos, no momento da 8a Reunião Ministerial da Alca em Miami, em 2003; à Palestina, para cobrir a ofensiva a Gaza, em 2004; ao Haiti, um ano após o seqüestro de Jean-Bertrand Aristide, em 2005; e à França, quando das manifestações contra o Contrato de Primeiro Emprego (CPE), em 2006. Também foi correspondente em Cuba, em 2004. Além da experiência no Brasil de Fato, colabora com outros meios alternativos - Caros Amigos, L´Humanité (França), Jiribilla (Cuba) - e editoras - Expressão Popular e Boitempo.
Por seu contato diário e intenso com a política, resolvi entrevistá-lo e saber um pouco mais sobre as Eleições 2006.
Aproveitem!
* por Paula Cabral Gomes *

Zine Qua Non: A cobertura feita por jornais menores ou jornais e revistas alternativos pode ser feita de forma melhor, ou seja, mostrando realmente o que acontece? Ou a probabilidade destes serem parciais prejudica a cobertura?
João Peschanski: Todos os jornais são parciais. A Folha de S. Paulo publicou há algumas semanas um texto de seu dono, Otávio Frias Filho, dizendo que uma eventual vitória do Lula no primeiro turno seria uma derrota da democracia, pois impediria o aprofundamento do debate no segundo turno. A posição está longe de ser neutra. As publicações alternativas têm um grande trunfo para a cobertura política: geralmente não estão atreladas a grandes interesses econômicos e políticos. Têm maior fluidez para descrever o que outras não apontariam por terem rabo preso. Ou seja, não estão do lado da hegemonia cultural. Ousam e criam, extrapolando as barreiras do politicamente correto e do politicamente construído. Repensar o político é um exercício de democracia.

ZQN: O efeito do horário político sobre os eleitores vem diminuindo com o passar dos anos?
JP: Os programas eleitorais, pasteurizados, são o reflexo do que ocorre com a competição eleitoral. Não há programa ou debate de fundo, mas espetáculo. O eleitor não é ignorante, como muitos analistas políticos acreditam. Pelo contrário, faz um cálculo fino sobre as opções que lhe são apresentadas. Votos no Vargas ou no Lula não são resultado da incompreensão política da população, são o cálculo do menor risco. Programas eleitorais só têm razão de ser se houver debate programático. Nenhum candidato - em todos os níveis - se propõe a isso.

ZQN: Você acredita que é melhor mostrar de uma vez qual é a posição política do jornal ou acredita que é possível ser imparcial?
JP: Não acredito na imparcialidade. Mas acredito no bom jornalismo, feito de modo honesto. Este não é nem coletânea de fatos e dados, nem panfleto. O bom jornalismo é aquele que consegue combinar apuração, reportagem e análise. Dito isso, há diversas formas de se fazer isso. No campo dos meios alternativos de comunicação, tenta-se recuperar os ensinamentos de Paulo Freire, pensando um jornalismo do oprimido, assim como ele criou uma pedagogia do oprimido. Cito alguns princípios: valorizar a cultura popular, procurar o diálogo... A idéia é que as pessoas que são ouvidas por comunicadores não sejam meramente depósitos de informação, de onde se extrai o que é necessário para a matéria, mas co-produtores do texto. Há experiências realizadas até mesmo com pessoas analfabetas, que narram suas experiências de opressão, como uma faxineira da Poli/USP que era analfabeta ou um ex-presidiário do Carandiru.

ZQN: Como você explica o fato de o governo Lula ter passado por inúmeras acusações nesses últimos quatro anos e ter tantos votos que permitem que ele ganhe no primeiro turno?
JP: Inicialmente, a estabilidade da economia, por mais nefasta que seja seu impacto a médio e longo prazo, é vista como um trunfo. As políticas compensatórias garantiram, talvez não pelo modo mais correto, garantiram uma base convicta no Lula. Os três principais elementos são outros: a habilidade política do presidente em desvencilhar-se dos escândalos que carcomeram seu partido, o acúmulo carismático que mantém e a falta de propostas alternativas, tanto no escopo da direita (o Picolé de Chuchu) quanto no da esquerda. O eleitorado, inteligente, sabe que, se é para manter tudo como está, melhor colocar aquele que já está e que, ainda por cima, faz algumas políticas de migalha. Dito isso, noto que o governo Lula é sensivelmente melhor do que o do FHC em várias áreas. O que não quer dizer que não tenha sido um mandato decepcionante e ambíguo.

ZQN: Eu sei que o voto é secreto, mas quais são seus candidatos?
JP: Não faço parte do eleitorado inteligente que já definiu seu voto. Admito que a conjuntura é difícil. Convicto, voto em Eduardo Suplicy (PT) para senador e Ivan Valente (PSOL) para deputado federal.

ZQN: Você acha que o Lula um dia conseguirá colocar em andamento uma lei que "proíbe" o monopólio da mídia como alguns países da Europa já possuem?
JP: Lula não tem condições políticas para fazer isso. O termo "condições" é a soma de dois elementos: vontade e correlação de forças positiva. Em seu programa, definido na Carta ao Povo Brasileiro, ele não aponta para a democratização dos meios de comunicação. Não está sendo eleito por essa bandeira. A experiência que temos do mandato que se encerra é oposta: criminalização e abandono dos meios alternativos, além de grandes favores publicitários e mercadológicos às grandes corporações mediáticas. A correlação de forças negativa é reflexo do ainda incipiente movimento em prol da democratização dos meios de comunicação. O debate não é feito em profundidade, apesar de algumas quixotescas iniciativas. Em outras áreas, além da comunicação, vemos a mesma coisa, seja na ecologia, feminismo, anti-racismo etc.

ZQN: Que tipo de candidato você acha que agradaria a população e faria com que o Lula não fosse reeleito?
JP: Difícil prever que o Lula não seria reeleito, pois ele está com a máquina estatal de seu lado. No entanto, no cenário brasileiro, faltam candidatos programáticos, faltam partidos programáticos. Vota-se na pessoa, não no projeto político. O voto no Lula, a meu ver, é político, porque reflete uma vontade do povo em manter um governante de sua escolha, mas é despolitizado, pois vota por total falta de alternativa.

ZQN: Heloísa Helena com toda sua garra exposta e um projeto de governo que promete fazer inúmeras mudanças no país teria chances de vencer caso o Lula não estivesse na disputa?
JP: Heloísa Helena, apesar de ser uma guerreira, não galvaniza o eleitorado. Tem carisma, mas não tem um projeto político consistente por trás. O que não quer dizer que nunca venha a ter. O PT nasceu como resultado de um movimento de massa extraordinário, fora do comum, que derrubou bloqueios culturais e políticos. Renovou o político. O PSOL nasce em outra conjuntura, preso a muitas individualidades, um partido de back-up.

ZQN: O que pode explicar a grande porcentagem da candidata PSOLista em sua primeira candidatura a presidência?
JP: Lula sempre teve uma parcela fixa de eleitorado de esquerda, aqueles constantes 25% a 30%. Parte desse eleitorado está claramente insatisfeito com os rumos do governo, vota nas melhores alternativas que encontra à esquerda: Heloísa Helena ou nulo.

ZQN: Caso Serra fosse o candidato tucano, Lula cairia nas pesquisas?
JP: Não se trata de personalidades. Trata-se de projeto. Apesar de ter mais carisma do que o Picolé de Chuchu, Serra não traz alternativa ao que Lula implementa. Pelo contrário, estão quase em consenso, excetuando alguns aspectos, como privatizações (carro-chefe da política do PSDB). Na miséria da política, o eleitorado vota no menos pior. A reeleição do Lula não será eufórica, será um voto resignado.

ZQN: A que se deve a grande aceitação do governo, mas não a do presidente?
JP: Lula traiu engajamentos históricos. Tinha como ser o presidente da mudança. Adotou o pragmatismo e fez política de resultado. O eleitorado reconhece alguns avanços, principalmente as políticas compensatórias.

ZQN: O que você espera das eleições de 2010?
JP: Que a esquerda, os movimentos populares comprometidos com a mudança do país, consigamos fortalecer um projeto político, que reúna e convença a população.

ZQN: Do governo Lula, o que pode ser visto como bom?
JP: A pergunta deveria ser: o que pode ser visto como menos pior do que seus antecessores? Talvez o tímido freio às negociações da Área de Livre Comércio das Américas, o não-isolamento de Hugo Chávez, alguns outros aspectos da política externa. Ressalto que esta foi desastrosa em outras frentes, como a ação do governo na Organização Mundial do Comércio (OMC), traindo parceiros do Terceiro Mundo, e a ocupação do Haiti. Na questão interna, as políticas compensatórias, mesmo que insuficientes.

ZQN: O que você acha dos programas de assistência social feitos pelo governo, como Bolsa Família, ProUni etc.?
JP: É preciso diferenciar o Bolsa Família e o ProUni. O primeiro pode ser defendido como uma política emergencial, até mesmo porque a população miserável é enorme. Sem projeto de nação por trás, o Bolsa Família acaba sendo uma perfumaria diante dos lucros dos bancos e enriquecimento dos mais ricos. Mas é defensável. O ProUni é a adoção de um projeto de direita: atestar a incapacidade de investir em educação pública de qualidade e delegar à iniciativa privada. Obviamente, precisamos mudar o acesso às universidades, mas com outra estratégia.

ZQN: Como o voto nulo pode ser útil caso queiramos mostrar insatisfação com relação aos candidatos aos cargos políticos?
JP: O voto nulo é legítimo. Caracteriza a revolta do eleitorado diante da irrelevância política, a despolitização, desse pleito.

ZQN: Como os jovens podem mudar a situação da sociedade brasileira?
JP: A indignação juvenil pode alimentar as lutas por transformação social e revitalizar os movimentos sociais, que estão em descenso. Falta criatividade na política, sobra criatividade na juventude.

ZQN: Mais mídias alternativas ajudariam a fortalecer a democracia?
JP: A democracia só se fortalece se o povo estiver ativamente participando da política. Se a mídia alternativa conseguir criar as pontes com a população, haverá um processo de transformação, inevitável. Exemplo disso é o que ocorreu no Equador, quando a população derrubou um governo autoritário, articulando-se por meio de uma rádio comunitária, a Radio Luna. Chegavam aos microfones da estação e diziam o que queriam, sem poupar palavrões. Isso foi crescendo, gerando manifestações, levando a uma vitória substancial. No Brasil, nas faculdades de comunicação, estamos presos à ditadura do lide. É preciso estimular a criação jornalística.

ZQN: Este espaço é todo seu. Deixe seu recado.
JP: Comunicação não é um molde a priori. O Manual de Redação do Estado de S. Paulo ou o tipo de jornalismo da Veja não são a verdade. São uma técnica para interpretar os fatos. Há um leque incomensurável de alternativas. O bom jornalista não é o burocrata da comunicação, mesmo que isso lhe garanta um bom salário por um tempo, mas aquele que ousa, que cria, que pensa. Saudações aos que não temem arriscar-se.

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