segunda-feira, janeiro 15, 2007

ENTREVISTA #2

Lucas Monteiro, conhecido como Legume, é membro do Movimento Passe Livre de São Paulo (MPL-SP).
Assim como muitos estudantes universitários que têm a noção da gravidade do problema do transporte público e outros que causam inúmeros prejuízos ao povo brasileiro, Legume arranjou sua forma de se expressar e lutar por alguma melhoria. Através da união dos que militam pela mesma causa, a esperança de obter o passe livre estudantil dificilmente morre.
Entenda um pouco a história e as metas de um grupo de pessoas de oito estados do Brasil que buscam um serviço justo e de qualidade para todoos.

*por Paula Cabral Gomes*

Zine Qua Non: Como e quando o Movimento Passe Livre (MPL) surgiu no país e em São Paulo?
Lucas Legume: O MPL surgiu formalmente no Fórum Social Mundial de 2005, onde aconteceu a plenária nacional na qual foram trocadas experiências entre cidades que lutavam pelo passe livre e foi elaborada uma carta de princípios. Muitos dos grupos presentes em Porto Alegre já estavam em contato e tinham se reunido no ano anterior no Primeiro Encontro Nacional do Passe Livre, em julho de 2004, em Florianópolis. Os princípios elaborados nesta plenária surgiram da experiência prática da revolta do Busu, em 2003, e da revolta da catraca, em 2004. São Paulo já tinha um Comitê de Luta pelo Passe Livre, que atuava, principalmente, na zona Noroeste. Este comitê participou da plenária nacional em Porto Alegre e aprovou os princípios na primeira reunião após o FSM.

ZQN: Com quais metas começou o movimento?
LL: O MPL tem como objetivo inicial a conquista do passe livre para estudantes. Esta não tem um fim em si mesma, mas se encaixa em uma luta por um transporte coletivo em benefício da população e fora da lógica de mercado pela qual é gerido. Esta concepção de lutar por um transporte realmente público surge da conjuntura em que se criou o movimento, dentro de manifestações pela redução de tarifas, lutando contra o aumento do lucro empresarial.
ZQN: Quantas cidades (e estados) fazem parte desse movimento?
LL: Atualmente temos 13 cidades que participam nacionalmente do MPL em 8 estados, além de diversas outras cidades que estão se organizando para integrar oficialmente e ativamente o MPL.

ZQN: Quais são os projetos principais para este ano?
LL: Aqui em São Paulo estamos em uma luta contra o novo plano de transportes que a prefeitura esta implementando. Este plano surgiu em resposta a reclamações de empresários e tenta adequar ainda mais o serviço de ônibus à busca do lucro, por meio da redução de custos através do que chamam de "otimização das linhas". Isto significa menos ônibus circulando e maior lotação. Nacionalmente estamos organizando o terceiro Encontro Nacional que pretende consolidar nacionalmente o movimento, trocando experiências, pensando em estratégias para implementação do passe livre.

ZQN: De qual forma vocês pretendem atingir as principais pessoas envolvidas com o transporte público, como os passageiros, os motoristas, os cobradores, os empresários?
LL: A forma de abordar cada um destes setores é muito diferente. Para os passageiros costumamos fazer ações de divulgação, como "pular catraca", panfletagens e, recentemente, uma fanfarra de rua na Lapa. Para cobradores e motoristas, costumamos preparar panfletos específicos, que explicam como funcionaria o passe livre (sem redução de salários). Os trabalhadores são aliados na medida em que achamos que eles devem participar da gestão do transporte público, mas o diálogo é muito difícil, especialmente em cidades com São Paulo nas quais o sindicato defende o interesse dos patrões. Os empresários... Bem, queremos atingi-los de uma forma bem direta, que eles deixem de existir.

ZQN: Onde o movimento já obteve resultados satisfatórios?
LL: O movimento participou das revoltas da Catraca de 2004 e 2005, que barraram dois aumentos de tarifa em Florianópolis, onde também foi aprovada a lei que instauraria o Passe Livre, porém, por articulações políticas, o Superior Tribunal de Justiça de Santa Catarina declarou a lei inconstitucional. Em Curitiba, o movimento conseguiu a aprovação do Passe Livre na pré-conferência da cidade e também conseguiu barrar projetos de lei que permitiriam um controle maior das meias passagens.

ZQN: Como foram as Revoltas da Catraca e a Revolta do Busu? Resultados satisfatórios foram alcançados?
LL: Esta pergunta poderia, sem dúvida alguma, ser uma tese de Doutorado. Eu vou tentar ser bem sucinto. A Revolta do Busu, em Salvador, em 2003, ocorreu devido ao segundo aumento tarifário em menos de um ano. A mobilização começou em diversos colégios, de forma aparentemente espontânea. Todos ficaram surpresos com o tamanho que as manifestações tomaram. Ocorre que não havia um movimento anterior constituído em Salvador, e os dirigentes de entidades estudantis se aproveitaram da situação para se auto-projetar. As negociações que eles fizeram com a prefeitura iam contra a principal reivindicação do movimento, que era a redução de tarifas, apesar de garantir algumas das "bandeiras históricas" do movimento estudantil. Esta experiência de aparelhamento serviu de base para o MPL se afirmar apartidário, horizontal, autônomo e independente. Já a Revolta da Catraca, em Florianópolis, em 2004, foi precidida de uma grande campanha pelo passe livre que começou em 2000 e portanto de uma discussão sobre o transporte. A existência de um movimento organizado e a experiência de Salvador impediu práticas aparelhistas de entidades e partidos. Desta vez, o aumento foi barrado. Em 2005, a dose foi repetida e novamente a população saiu a rua e impediu o aumento. Em conseqüência das duas revoltas, foi aberta uma CPI dos Transportes e começou a ser discutida a implementação de uma tarifa única e a estatização da Cotisa (empresa que administra os terminais).

ZQN: Utilizando-se de quais meios o movimento pretende conseguir o passe livre?
LL: Nosso principal meio é a mobilização. É só através dela que conseguiremos qualquer avanço na luta pelo passe livre. Temos claro que, em conjunto com isto, precisamos estudar e compreender como se estrutura o transporte coletivo, para então elaborar um projeto de passe livre a ser aprovado na Câmara dos Vereadores, já que, infelizmente, ainda vivemos em um sistema representativo. É importante lembrar que a luta não se resume à conquista do passe livre, amplia-se para uma concepção de transporte público em benefício da população, que seja fora da iniciativa privada. E isto, só através de muita luta, conseguiremos.

ZQN: Percebendo um grande interesse de políticos e de outros grupos em querer tomar essa causa, como vocês lidam com isso?
LL: Isto é um problema que ocorre com qualquer movimento que ganha maior projeção. O MPL nasceu já se opondo a tentativas de aparelhamento, afirmando outra lógica de ação política. O que tem acontecido atualmente é que as entidades resolveram assumir a bandeira do passe livre, porém estas não têm trabalho em escolas e se interessam mais em filiar pessoas (como pode ser observado no site da UJS) do que em conquistar o passe livre ou discutir o transporte público. A resposta do movimento a isto é a reafirmação de seus princípios e a continuidade do trabalho em escolas.

ZQN: Qual é a intensidade da ligação do MPL com o MST?
LL: Em alguns lugares, como no DF (Distrito Federal), foram organizados atos conjuntos contra o aumento de passagens e existe um contato constante. Temos tentado estreitar relações nacionalmente, tanto que nosso Terceiro Encontro Nacional será na escola Florestan Fernandes.

ZQN: A aceitação do movimento pela sociedade é grande? Ou apenas jovens entram em contato com vocês?
LL: De uma maneira geral, a sociedade considera a nossa luta justa. Todos acham o transporte ruim, caro, superlotado. Porém as pessoas que se dispõem a participar de manifestações, a fazer trabalho em escolas, são jovens. Boa parte das pessoas nos questiona de onde sairia o dinheiro, se a passagem aumentaria, então, explicamos que a destinação do dinheiro é uma opção política, que o transporte não pode ser encarado como uma mercadoria e, geralmente, a pessoa se convence.

ZQN: Por quais atividades financeiras vocês mantêm o movimento?
LL: Nós temos três campos de arrecadação de dinheiro: a venda de materiais (bottons, camisetas, livros, jornais), as festas (geralmente, cervejadas em universidades) e as doações (pessoais, centros acadêmicos, sindicatos).

ZQN: Como vocês pretendem chamar atenção da mídia para a causa?
LL: Em todas as manifestações que organizamos enviamos releases para a imprensa e entramos em contato com alguns jornalistas, além disto, nos preocupamos em produzir nossos próprios relatos em meios como o Centro de Mídia Independente (CMI).

ZQN: Como você conheceu o MPL?
LL: Eu conheci através do CMI. Era, e ainda sou, voluntário do coletivo São Paulo e comecei a acompanhar primeiro pelas notícias do site, depois comecei a freqüentar reuniões, participei da plenária em Porto Alegre e resolvi me dedicar mais ao movimento.

ZQN: Por que você resolveu fazer parte do movimento?
LL: Porque considero o transporte coletivo um fator fundamental na vida urbana. A forma de organização do MPL, horizontal, autônoma, com respeito à diversidade, é algo que me atrai muito. Afinal, acredito que, para construir uma nova sociedade, precisamos começar a construí-la e aplicar nossos princípios em nossas práticas e mobilizações cotidianas, acredito que o MPL consiga isto.

ZQN: Você acha que realmente conseguirão obter o passe livre em São Paulo? Por quê?
LL: Sem dúvida é um processo árduo, São Paulo é uma cidade de 15 milhões de habitantes, precisamos mobilizar muita gente para conseguir o passe livre. Até agora, temos conseguido ampliar o debate a cerca do assunto, fomentamos a discussão sobre transporte público na cidade, envolvemos mais escolas na luta, estamos caminhando na direção certa, mas não posso afirmar que certamente obteremos o passe livre.

ZQN: No momento, há pessoas aderindo ao MPL ou está saindo bastante gente?
LL: O MPL é um movimento em crescente expansão. No ano de 2005, em São Paulo, nós mais que dobramos o número de envolvidos. No Brasil, cada vez mais cidades começam a se manifestar, a realizar atos, a aderir ao MPL, já chegamos até o Acre.

ZQN: Como obter mais informações sobre o MPL?
LL: Existem dois sites bons para obter informações sobre o MPL: o site oficial do movimento (www.mpl.org.br), onde estão nossos princípios, as cidades integrantes, etc; e o site do CMI (www.midiaindependente.org), que conta com informações atualizadas sobre manifestações pelo passe livre no Brasil inteiro.

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