segunda-feira, janeiro 15, 2007

ENTREVISTA #1

· Estudante de filosofia na Universidade de São Paulo;
· Diretor de Políticas Educacionais da União Nacional dos Estudantes pelo campo CONTRAPONTO (campo nacional do movimento estudantil, oposição à direção majoritária na UNE);
· Militante da A.P.S. (Ação Popular Socialista), corrente política autônoma organizada nacionalmente.
Este é Antônio David, primeiro entrevistado do Zine Qua Non com muito prazer e carinho.
Correndo atrás de informações sobre o Movimento Estudantil, encontrei Antônio que se ofereceu para me ajudar e acabou sendo pego de surpresa por algumas perguntinhas para o número um do ZQN.
E aqui está o resultado!

*por Paula Cabral Gomes*

Zine Qua Non: Muitas pessoas se perguntam: "O Movimento Estudantil ainda existe?". Onde podemos ver sua atuação e quais são os resultados desta?
Antônio David: Sim. O movimento estudantil nunca deixou de existir. O que pode haver são refluxos. Acredito que as décadas de 80 e 90, exceto talvez no segundo mandato de FHC, foram anos de forte refluxo, o que se intensificou com a ascensão de Lula à presidência da república. No geral, o ME acompanhou o refluxo e a paralisia dos movimentos sociais, em parte perplexos com as políticas do novo Governo, em parte atrelados a ele. Mas mesmo nestes períodos a atuação do ME no âmbito local - ou seja, das lutas reivindicatórias nas universidades - nunca deixou de existir. Os resultados são pontuais - contratação de professores, ampliação de verbas para a assistência estudantil etc. A grande novidade é que, na década de 90, houve um boom de faculdades particulares, fora dos grandes centros urbanos, o que acabou abrindo um processo ainda em aberto de ampliação e diversificação do movimento. No fundo, a disputa travada hoje no interior do movimento gira em torno do modo como essa ampliação e diversificação vai se dar, e quem irá hegemonizá-la.
ZQN: A presença de estudantes em passeatas e em outras formas para manifestar suas vontades é reduzida, mas mesmo assim você vê algum aumento na busca por essas uniões?As expectativas de que haja uma maior procura por manifestações em defesa de seus interesses devido à situação política de hoje são grandes?
AD: A rotatividade do movimento é muito grande e intensa. O estudante passa em média 5 ou 6 anos na universidade. Os ativistas do movimento, idem. É difícil, para mim, dizer se tem havido aumento ou redução do interesse, digamos assim, pelo movimento. De qualquer forma, a impressão geral que tenho é de que a ascensão de Lula, mais do que paralisar o movimento, acabou concorrendo para uma maior acomodação social e conseqüente despolitização. A tendência, após o refluxo, é haver um certo ascenso no próximo período. Mas é difícil medir a intensidade e amplitude disso.
ZQN: Se o Movimento Estudantil fosse maior, você acha que os estudantes conseguiriam de forma mais "fácil" obter resultados a seu favor nos governos?
AD: Em sintonia com a resposta anterior, penso que entramos na década de 90 num período marcado pela ampliação e pela diversificação do movimento, processo esse que se iniciou e ainda não se concluiu, ou seja, a rede do movimento ainda não se consolidou e está longe de se consolidar. Mas acredito que esse processo de ampliação/ diversificação é um fato político dado, ou seja, vai acontecer. Dito isso, penso que a ampliação do movimento é sim uma das condições objetivas para que o movimento atinja seus objetivos, mas não é a única. Ela precisa vir acompanhada de um padrão de militância. É perfeitamente possível que o movimento se amplie e, ao ampliar-se, ganhe feições políticas pouco ou nada combativas em nome de uma concepção de movimento orientada pela negociação pacífica com o capital, ou pela minimização de perdas. Tudo depende, portanto, do modo como se dará essa ampliação. Portanto, respondendo à pergunta, depende.
ZQN: Você acha que há um falso Movimento Estudantil, por exemplo, nas faculdades pagas, pois talvez os alunos destas não sintam a verdadeira dificuldade que é conseguir concluir o ensino superior no Brasil?
AD: Não diria "falso", porque se existe o "falso" deve necessariamente existir o "verdadeiro". Acho que fazer o debate nestes termos é maniqueismo. Eu diria, sim, que há uma tendência de que, nestes locais, se forje um padrão de militância local diferente da militância "tradicional" das grandes universidades públicas que ficam nos centros urbanos. Pelas dificuldades objetivas impostas a quem estuda nestes locais, pela cultura política padrão da sociedade brasileira, enfim, por uma série de motivos, a tendência é que, a partir das experiências políticas destes locais, o movimento se diversifique - ou seja, que a representação social do que é movimento estudantil para essa base social envolva, para além das manifestações e das lutas, também iniciativas culturais, esportivas etc. - e que absorva a idéia de que a luta visa não à ampliação de direitos, podendo inclusive ter um horizonte mais global, uma matiz socialista etc., mas sim a minimização de perdas a partir da negociação pacífica. Mas isso não está dado. Há uma disputa aí. Essa tendência pode se reverter.
ZQN: Quando você começou a se interessar pelo Movimento Estudantil?
AD: A partir de duas vias. A primeira, intelectual. Por influência da leitura de Florestan Fernandes, eu me interessei pela universidade, comecei a estudar a história da USP, da Faculdade de Filosofia, dos trabalhos, das pesquisas, dos grupos políticos etc. A segunda, prática. Em 2002, estourou uma greve estudantil por contratação de professores. As coisas se juntaram. Eu estava trabalhando sobre um estudo a respeito da Faculdade, da demanda por professores etc., e acabei, por conta disso, sendo o "negociador" do movimento com a Reitoria. Nessa época, eu já tinha um envolvimento com o Centro Acadêmico, com o grupo que disputava a UNE - e que veio a formar o que é hoje o Contraponto, do qual eu faço parte. Daí em diante, comecei a me envolver mais organicamente com o CA e com o DCE. Daí...
ZQN: O que é o grupo Contraponto? Quais são suas metas?
AD: O Contraponto é um campo do movimento estudantil, ou seja, é uma corrente política autônoma, voltada para o movimento estudantil universitário, organizada nacionalmente, formada no final de 2002 por estudantes de faculdades e universidades públicas e particulares, de vários Estados, que se organizaram para potencializar a sua intervenção no movimento, não só no movimento geral (UNE), mas também no âmbito local. Existem núcleos do campo nas faculdades e universidades em que atuamos - inclusive estamos formando agora o núcleo da PUC-SP. Quanto às metas do campo, eu sugeriria a você dar uma olhada no site (www.contraponto.cjb.net), em particular na tese que apresentamos ao 49º CONUNE. Tentando resumir, em linhas muito gerais: nós nos juntamos para potencializar a disputa que fazemos em prol da organização das mobilizações e das lutas estudantis e populares por mudanças na educação, na economia e na sociedade, pela ampliação de direitos e pela radicalização da democracia, matizadas pela crença no socialismo em bases democráticas.
ZQN: Onde podemos obter mais informações sobre o Contraponto?
AD: Estamos agora num processo mais intenso de debates internos sobre organização, mas os resultados vão aparecer ao longo do ano. O site está desatualizado. Para discutir com o campo, o ideal é participar das reuniões, ou no mínimo conversar conosco, pessoalmente.
ZQN: Onde a UNE atua diretamente?
AD: Em tese, nas faculdades e universidades, ou seja, na educação superior. Essa é a base social da UNE. Na prática, a UNE pouco organiza em termos de mobilização - organiza, mas pouco! O fato é que a estrutura da UNE é muito pequena, muito aquém do tamanho do movimento. São apenas 81 diretores. Como é que a UNE vai organizar uma jornada de lutas nacional assim? O ideal é que os CA's e DCE's erguessem a bandeira da UNE. Esse é o nó. A burocratização - que já foi maior - e o distanciamento histórico acabaram gerando, mais do que resistência, rejeição à entidade em centros importantes do movimento, onde há mobilização e luta mais intensa.
ZQN: Como se tornou diretor da UNE? Quais foram seus passos?
AD: Como eu já disse, eu participo do campo Contraponto. Participo do grupo desde 2003. O grupo é composto por ativistas que reconhecem e reivindicam a entidade, na condição hoje de oposição à direção majoritária. Nós nos organizamos para o 49º Congresso. Apresentamos tese, participamos de uma chapa etc. Dentre os 81 diretores, nossa chapa teve 11, das quais o Contraponto, 2. Eu e Jamile (BA) fomos indicados pelo campo, numa das Plenárias do campo que houve no próprio Congresso. Estou na diretoria cumprindo uma tarefa do campo. O mandato que eu exerço não é meu. É do grupo.
ZQN: Após a fase brasileira de luta intensa pela liberdade de expressão, você sente que esta luta permanece viva ou que hoje já não há grandes dificuldades para fazer sua opinião tornar-se pública?
AD: Tenho a impressão de que há uma situação paradoxal aqui. A luta pela liberdade de expressão permanece viva porque a sociedade brasileira é uma sociedade profundamente autoritária, machista, elitista, e os de baixo sentem a necessidade de lutas diariamente pelo direito de expressar, das formas mais variadas, sua indignação, sua rebeldia. Vejo no movimento hip hop, por exemplo, uma forma de resistência que perpassa na luta pelo direito de expressão. Ao mesmo tempo, depois da experiência terrível de uma ditadura que proibiu a existência de Partidos e que perseguiu os ativistas do PCB, do PC do B, de organizações pequenas, vejo, pelo menos no meio universitário, uma rejeição enorme aos Partidos e a organizações em geral. O direito de se organizar politicamente foi uma conquista após longos anos em que esse direito era cerceado. Hoje, a cultura política hegemônica - inclusive no interior do movimento estudantil - é de que os Partidos deveriam sumir, sair do movimento, serem chutados para fora do movimento.
ZQN: Você se espelha em alguns grandes nomes que surgiram na ditadura, nas guerras pela independência ou em outras épocas?
AD: Sim. Em muitas(os) companheiras(os). Em particular, Florestan Fernandes.
ZQN: Os alunos da USP, UNESP, UNICAMP ou de outras universidades públicas possuem uma conscientização maior ou estudar ou não numa universidade pública não influencia em nada?
AD: Eu tive a oportunidade de estudar dois anos numa faculdade particular, a ESPM. Pela experiência que eu tive, acho que o fato de estudar numa universidade pública influencia no grau de envolvimento com questões públicas e, conseqüentemente, no grau de politização do estudante. Mas isso é relativo. Numa universidade pública, existem desníveis. Uma coisa é a realidade da Faculdade de Medicina, da Faculdade de Direito, da Faculdade de Economia e Administração, da Politécnica; outra coisa é a Faculdade de Educação, a Faculdade de Filosofia. É difícil saber exatamente porque, mas o fato é que em alguns locais o grau de "conscientização" - que eu prefiro chamar de envolvimento com as questões de interesse público - é maior.
ZQN: Por que você acha que muitos jovens dizem odiar política?
AD: Sartre estudou a conduta histórica, ou seja, a percepção política, o comportamento político e a ação política à luz do contexto histórico do indivíduo. Ele dizia que a personalidade é forjada por uma tensão entre, de um lado, as determinações históricas da sociedade e da cultura e, de outro, a subjetividade individual. Creito que, ao responder a essa pergunta - ou seja, "muitos jovens dizem odiar a política porque..." -, o "porque" não pode ser reduzido nem a um nem a outro, ou seja, não posso dizer "porque eles são alienados" (pois eu estaria sendo moralista), mas também não posso dizer "porque a sociedade é assim" (pois, nesse caso, eu estaria jogando a subjetividade fora). Eu sigo a linha do Sarte. Eu diria que, diante de determinações históricas tão fortemente enraizadas, cuja hegemonia atingiu um patamar tão enraizado, tão forte, com os bombardeios de bobagens que a juventude leva todos os dias pela Televisão, com a visão de mundo que se reproduz na família, enfim, diante disso tudo, para que o jovem se interesse pela política no geral (nem sempre, mas no geral!) é preciso que a subjetividade dele entre em choque com o grosso das influências que ele recebe. Ou seja, acaba prevalecendo o desinteresse e o ceticismo porque a subjetividade da maioria dos jovens acaba se adaptando às influências sociais que eles recebem.
ZQN: O governo dá alguma abertura para os estudantes que se interessam por política? Como por exemplo: debates, palestras, etc. ?
AD: Não tem dado. Nem a sociedade/juventude tem procurado o Governo e pressionado por essa abertura. Mas eu acredito que um Governo não só possa como deva dar, e que a sociedade e a juventude devem pressionar. Vejo na Venezuela um exemplo disso.
ZQN: Você acha que se filiar a algum partido político para conseguir melhores resultados é necessário?
AD: Eu não diria "melhores resultados". Eu diria, para potencializar a intervenção política. Respondendo à pergunta, acho que pode ser necessário, mas que pode não ser. Depende da frente em que se atua. Para o sem terra, pode não ser necessário, já que ele tem o MST. Mas, veja bem, para acumular forças no interior do Estado, é preciso de um Partido Político. Trata-se de uma condição objetiva. Daí, a questão é saber se a disputa no interior do Estado acumula ou não. Eu acredito que sim, desde que acompanhada dos movimentos sociais e populares - não para aparelhar o movimento, mas para apoiar o movimento - e submetida ao Partido.
ZQN: Qual a melhor solução que você vê para a crise brasileira no momento?
AD: Encaminho para ti a minuta de proposta de resolução de conjuntura que estamos debatendo internamente e que apresentaremos na próxima reunião da UNE.
ZQN: Em quem votar em 2006?
AD: Presidente: Heloísa Helena; Governador: Plínio de Arruda Sampaio; Deputado Federal: Ivan Valente.
ZQN: O que aconteceu com a esquerda?
AD: O setor que hegemonizava as organizações de esquerda acreditou que seria preciso completar a revolução burguesa no Brasil através da negociação pacífica entre capital e trabalho. Esse erro levou a esquerda a esvaziar o potencial e a força mobilizadora dos de baixo, além de impregnar-se de uma cultura política profundamente pragmática e eleitoreira. A corrupção é um sintoma disso. Com a ascensão de Lula, a esquerda se fragmantou e se fragilizou. A tarefa agora é recompor a esquerda no Brasil.
ZQN: Quer deixar algum recado? O espaço é todo seu!
AD: "No decorrer das lutas, diante das dificuldades, as lutadoras e os lutadores devem tomar para si três lemas: não se deixar liquidar; não se deixar cooptar; e garantir vitórias para o povo." (Florestan Fernandes)

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